As fotografias ardem nas horas em que ardem em mim
pele, carne, uma boca branca com bagos de insónia. Atirado com pedras
coloco a cabeça nos orifícios da fuga. E quando chegas e abres a porta
a árvore onde o sol brilha e que olho há 50 horas
desaparece debaixo do teu desespero
o trabalho e a casa sem mundo, o barulho do êxodo que lá fora entra
nas tuas e nas minhas mãos
para fugir não temos força, ganhámos o torpor amarelo da rendição
como quem come carne de semelhantes. Olhamo-nos
e bolinhas de algodão caem à nossa volta,
pólens de luz eléctrica
a nossa voz sem palavras e sem fim
não é capaz de parar o murro que nos vicia
pergunto se vais ajudar no piquete
já lá estive, o povo que se foda, só lá estamos nós a pregar aos peixinhos
que se incendeie tudo com gasolina e espanquemos o governador civil.
João Almeida, A Formiga Argentina, Averno, 2005
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