28 abril 2011

Eles comem tudo e...

Tenho assistido com gáudio às opiniões de quantos se chegam à boca de cena para apresentarem à nação as suas propostas. Um dos dados que mais se repete e mais me agrada é o daqueles que do alto do seu conforto propõem cortes nos salários e nos direitos sociais.
Curiosamente, quando se trata de defender o grupo, dizem, sem pejo, que é preciso pôr de lado demagogias e pagar bons salários aos gestores, advogados e demais masters.
Ou seja, quem ganha pouco pode e deve ver o seu salário amputado. Já quem ganha bem, deve ganhar ainda melhor. E não se pense que quem diz isto hesita em falar em "justiça social".
O problema de Portugal é, como se vê, os salários. E as pensões. Quem mais grita aqui d'el-rei é quem aufere pensões altas a que junta salários chorudos, juntamente com esses mestres da economia que usam fatos que custam três ou quatro salários mínimos, botões de punho, sapatos de igual valor.
Infelizmente, o nível de escolaridade da população é ainda baixo e são muitos os que acreditam piamente na douta opinião desses senhorinhos que há anos se alimentam do erário público com pareceres, gestão de obras, incentivos fiscais e outras mordomias, sem que se veja qual o seu contributo para o PIB nacional.
Aliás, nota-se que durante os últimos anos foram decisivos para chegarmos onde chegámos.
Claro que quando se tratados seus próprios onerários, estes são intocáveis e sempre acrescidos não só dos valores da inflação como doutros factores, sempre no sentido demais valia. Mas o que é válido para eles não o é para os milhões de outros que se limitam a ganhar o apertado vencimento mensal que eles designam de "zona de conforto".
Ver aqui e aqui.

07 abril 2011

A crise é uma coisa. Outra, bem mais importante, a imagem

“Ó Luís, vê lá na... como é que fico a olhar pròs...”

Falinhas mansas

Há uma mania instalada nos partidos portugueses: a de acreditarem que por dizerem que o branco é preto, as pessoas vão passar a ver preto. Passos Coelho, como Sócrates, são cultores dessas habilidades. “Ninguém pede ajuda para ficar pior”, afirmou Passos Coelho numa conferência na Universidade Lusófona, em Lisboa.
Ou está a brincar connosco ou ainda não estudou bem os dossiês. Os apertos em curso são insuficientes para colmatar o buraco nas contas públicas. E quem nos vai emprestar dinheiro, não vai olhar para as questões sociais, mas para as operações financeiras. Vão cortar onde acham que devem para que o país possa pagar o que deve.
Seria bom que em vez de dizer banalidades começasse a mostrar como é que o PSD vai cortar. Daqui lhe deixamos um memorando: as autarquias são sorvedouros de dinheiro. Há freguesias e concelhos a mais. Há demasiadas benesses para funcionários superiores do Estado. Quem não pode não tem luxos. Um país em crise não pode ter tantos hotéis, cartões de crédito dourados, passagens aéreas em executiva, despesas com ornamentação, empresas que dão prejuízo e pagam ordenados opíparos a administradores, vogais, assessores, ... A banca nacional não colabora como deve. A fuga ao fisco continua ser elevada.
Querer ganhar eleições não chega. É preciso ter coragem de falar claro e dizer onde e como se vai buscar o dinheiro que é necessário para tapar o buracão.
Falinhas mansas e blá blá só afasta as pessoas. Só aumenta o descrédito e acelera o caminho para o abstencionismo.

Quem lucra com a crise?


Que "aperto de cinto" vai ter de se fazer? Quem vai ter de "apertar o cinto"? Que lucros apresentará a banca no final deste ano? Que dividendos serão divididos pelo PS, PSD e CDS-PP? Que medidas proporá o BE para resolver a crise? E o PCP?
Perguntas que não terão resposta imediata. Mas que a pouco acabarão por ser do conhecimento de quantos as fazem.
Por enquanto, todos parecem concordar que quem vai pagar a factura serão, como sempre, os remediados e os pobres. O nível de vida, que regrediu para níveis de há 8/9 anos, terá tendência para regredir ainda mais? O desemprego vai aumentar? As insolvências triplicarão? E quem vai encher os bolsos com tudo isso?

Para já, saiba-se que a Grécia continua mergulhada numa imensa crise: "O desemprego atinge cerca de um milhão e meio dos seus cerca de 11 milhões de habitantes, o produto interno bruto (PIB) caiu 8,9 pontos percentuais e a imagem que o país transmite para o exterior é desoladora: milhares de lojas fecharam portas, o nível de vida dos gregos desceu abruptamente e milhares de reformados fugiram para os campos em consequência do corte nas pensões." (i)

Quanto à Irlanda, a coisa não está melhor: "O desemprego atingiu o nível histórico de 13,4%, o triplo do de 2008. Os juros da dívida pública irlandesa, um dos motivos que levaram o país a solicitar o resgate, mantêm-se elevadíssimos, indiferentes à ajuda externa. Os de longo prazo estão nos 10%." (i)

Registe-se também isto: "os maiores bancos nacionais ganharam 347 milhões de euros na sessão de hoje, em termos de capitalização bolsista, impulsionados pelo anúncio de que Portugal vai recorrer ao Fundo de Estabilização Europeu." (Diário Económico)

Nota positiva, só conheço esta: "Neste momento, as três [Moody’s, a Fitch e a Standard and Poor’s] mais importantes agências de notação financeira (...) noticiam e divulgam, diariamente, classificações de ‘rating’ que, com manifesto exagero e sem bases rigorosamente objectivas, penalizam os interesses portugueses, estimulando uma subida constante dos juros da dívida soberana”. Daqui decorrem “comportamentos presumivelmente criminais”, indiciadores, nomeadamente, do crime de manipulação do mercado. O alerta vem de três economistas - José Reis e José Manuel Pureza, da Universidade de Coimbra, e Manuela Silva e Manuel Brandão, do ISEG – que vão apresentar uma denúncia ao Procurador-geral da República (PGR), Pinto Monteiro, no início da próxima semana. [...] Em Espanha e nos Estados Unidos foram também já desencadeados processos semelhantes, mas ainda não há qualquer decisão judicial transitada em julgado. A actuação das agências de ‘rating’ tem sido, aliás, alvo de várias polémicas, tendo o próprio FMI alertado já para o facto de que “estas agências usam e abusam do poder que têm”. (Jornal de Negócios)

06 abril 2011

E o anúncio foi feito

O homem tem cronometrado a coisa com mestria. O homem é o primeiro-ministro demissionário de Portugal e líder do PS. O anúncio feito há instantes usa um conjunto de efeitos retóricos que apenas Francisco Louçã foi capaz de desmontar (o que se percebe, dada a sua formação económica).
A estratégia de Sócrates passa, como há tempos se percebeu, por atirar o ónus do pedido de ajuda sobre a oposição, que boicotou o PEC IV. Ora como lembrou Louçã, o Estado injectou milhões na economia para apoiar bancos (os mesmos que assobiaram para o lado nestes dois dias), para cumprir obrigações com objectos cuja eficácia se afigura diminuta, mas que faz as alegrias de meia dúzia de altas patentes, que já podem estar entretidos a brincar à defesa nacional, e para suster esse produtos tóxicos que dão pelo nome de BPN e BPP.
A pressão dos mercados há muito se fazia sentir e sempre Sócrates recusou a necessidade de solicitar ajuda à CE. Mais, pensava-se até que conseguiria resistir até estar definido o novo plano de ajuda que por lá se tem estado a desenhar mas só estará pronto nos inícios do verão.
O modo como Sócrates soube associar o PEC IV a um acordo com a UE e a recusa do parlamento à inevitabilidade do pedido de ajuda, mostra bem como sabe passar a mensagem e torná-la credível aos olhos da opinião pública (as mais recentes sondagens dão já sinais disso mesmo).
No entanto, o que continua a estar em causa é a vida dos portugueses, nomeadamente dos que auferem menos de 2 mil euros mensais e que assistem impotentes à degradação do seu nível de vida, sem que percebam uma saída a curto prazo.
Ora aí reside o busílis da questão, que Passos Coelho percebeu, embora sem ter ainda um discurso suficientemente claro e eficaz que galvanize o eleitorado e lhe garanta um maioria confortável.
Os próximos dois meses serão ricos em peripécias. E serão terríveis para quem já tem a corda ao pescoço. Recorde-se que as taxas de juro estão a subir e as taxas euribor não param de aumentar. Avizinham-se momentos de grande tensão social e os partidos políticos movimentam-se como se a apatia dos portugueses fosse um dado garantido. Embora nos últimos anos tenha havido vários sinais (pontuais) de que já não é assim.
Enquanto pudermos, assistiremos ao folclore. Mas, como se dizia no tempo da velha senhora, "qualquer dia... qualquer dia..."

04 abril 2011

A impunidade dos gestores tugas


A uns falta dinheiro para pagar despesas fixas e essenciais (casa, alimentação). E logo a voz sábia se levanta e fala em poupança. A culpa é das pessoas que não pouparam. Com os salários de merda que recebem ainda têm que poupar, claro.
Já os administradores das empresas públicas dormem melhor para o lado da dívida. Podem ter buracos astronómicos que ainda se dão ao luxo de alugar carros topo de gama. Até porque sabem que tal gestão não lhes acarretará absolutamente nada. Veja-se o desplante: «A Carris alugou no ano passado quatro novas viaturas topo de gama para o seu presidente e administradores, suportando um valor de cerca de 4500 euros mensais com o aluguer dos veículos. A empresa pública, que tem 2010 teve capitais negativos de 776,6 milhões de euros, explica que a decisão cumpre o estabelecido pela Comissão de Fixação de Vencimentos.» A juntar a isto, recorde-se que mesmo com o buracão, deram-se ao luxo de aumentar os seus vencimentos, no ano santo de 2010.
Prontos...
Falta dizer o nome de tão ilustres personagens: o presidente da Carris, José Manuel Silva Rodrigues; os vogais da administração Fernando Jorge Moreira da Silva, Maria Isabel Antunes e Joaquim José Zeferino e a administradora Maria Adelina Rocha.

02 abril 2011

Para memória futura

Diogo Leite Campos é vice-presidente do PSD. As frases que transcrevemos abaixo fazem parte de uma entrevista publicada hoje (já não é dia das petas) no i.

«O futuro governo do PSD, em quatro anos, vai pôr o país a crescer, não sei se a 3%, a 3,5% ou a 2%. Mas vai pôr claramente o país a crescer acima dos 1,5%.»

«Tem de se fazer uma vaquinha entre três entidades: as famílias, o Estado e os bancos. A situação de cada família tem de ser analisada, se for caso disso - se se provar que a família é viável, trabalha, está decidida, tem empenho - tem de ser apoiada. A dívida dessa família ao banco tem de ser reestruturada, tem de ser prolongada e o Estado tem de suportar uma parte dos custos. O Estado tem de assumir a sua responsabilidade pelo facto de ter colocado um certo número de famílias na insolvência pelo corte de ordenados e pelo aumento dos impostos.»

«Todos os ordenados até 2500 euros/mês têm de ser revistos e apoiados.»

«No prazo de quatro anos vamos baixar a carga fiscal. Baixarão impostos, preferencialmente aqueles que têm significado para as famílias e o desenvolvimento económico.»

Depois destas afirmações, veja-se como há pequenas nuances que evidenciam as estratégias de marketing usadas e as atenuam, quais caracteres mínimos (corpo 2 ou 3), quando no fim da entrevista diz:

«Não vamos prometer coisas que não podemos, eu não digo que a carga fiscal vai baixar de 40 para 20. Não. Digo que o nosso objectivo a quatro anos é ter reduzida a carga fiscal, e essa redução passará pelos mais necessitados e pelas empresas que criam emprego. O nosso objectivo é apoiar as famílias que estão a perder a casa, mas não lhe sei dizer se vamos apoiar 20 mil ou 40 mil. Vamos ajudar o maior número possível. Talvez não seja possível, daqui a quatro anos estarmos a crescer acima dos 2% , mas chegar aos 2% é possível. Temos 700 mil desempregados, esperamos ao final de quatro anos ter conseguido diminuir em 200 mil o número. Seria uma maravilha. Um feito.»

01 abril 2011

António Carrapatoso e as ideias do PSD

António Carrapatoso, "chairman" da Vodafone, é um dos consultores do PSD. As suas ideias para Portugal passam pela máxima menos Estado, melhor Estado. Como? Carrapatoso acredita que um Estado forte e independente ao serviço dos cidadãos é aquele que desempenha com eficiência e eficácia todas as funções e actividades (mas só estas) que a iniciativa e o interesse individual dos cidadãos e das suas instituições privadas não conseguem garantir. Ou seja, no seu entendimento, áreas como a Educação e a Saúde não devem estar nas mãos do Estado, mas nas mãos de privados. Embora o Estado deva conservar a tutela dessas áreas, pagando os serviços prestados pelos privados. Acredita, portanto, que aquilo que move as empresas é o bem-estar e não o lucro. Ora, como facilmente se observa, a lei da oferta e da procura determina o custo elevado da prestação de serviços essenciais (como é o da saúde). A indústria farmacêutica fica com uma grande fatia do bolo e os prestadores de outros serviços (diagnóstico, tratamento,...) com o resto. Por enquanto, apesar de uma campanha sistemática contra o Serviço Nacional de Saúde, este tem-se revelado favorável aos cidadãos. A saúde em Portugal deu um salto gigantesco nas últimas três décadas. Mas parece-nos que no dia em que os serviços de saúde ficarem massivamente na mão de privados, assistiremos a situações complicadas, pois a delimitação de quem são os "realmente" carecidos empurrará os mais desfavorecidos para os guetos do desleixo e deixará a classe média portuguesa (cujos rendimentos são grosso modo muito baixos) a braços com a impotência.



Já quanto à educação, o caso é um pouco mais complicado. Embora consuma menos orçamento, para os gestores o que sempre parece estar em causa são os vencimentos dos professores. Parentes pobres na escala social, encontram-se remetidos a uma actividade onde cada vez interessa menos o cunho científico (o rigor) e mais o sucesso educativo (de uma população em quase tudo avessa ao rigor e, por isso, afastada dos desafios que o tempo lhes coloca).
À escola pública pede-se tudo e mais alguma coisa, mas investe-se mais em faz de conta do que em promover a formação adequada dos cidadãos (embora haja quem dentro da escola pública tudo faça para alcançar tão nobre propósito - algo que muitos pensam existir apenas em colégios ou escolas privadas, destinadas a classes altas). A articulação entre empresas, instituições e escolas é rudimentar. De resto, o problema do país, como se tem verificado, está mais no lado das empresas do que no dos que nelas trabalham. Continuam a funcionar em moldes arcaicos e a apostar em baixos salários, mesmo quando obtêm mais-valias substanciais.
Seria tempo de o Estado promover a articulação entre empresas e escola, estimulando (ao nível dos impostos) o contributo daquelas junto destas, até como estímulo para os alunos.
Passar o ensino para as mãos de privados não se afigura estimulante, pois isso mais uma vez beneficiaria apenas os grandes centros urbanos, onde há população suficiente para justificar concorrência. Nos outros sítios assistiríamos apenas às pequenas coutadas e/ou ditaduras que promovem a boçalidade, o servilismo e outras pechas que 48 anos de controlo nos legaram.