13 dezembro 2008

Alphonse Allais (1854-1905)


Charles-Alphonse Allais nasceu e morreu no mês de Outubro, com 51 anos e oito dias de diferença. O seu sentido de humor tingia-se muitas vezes com as cores garridas da fantasia, a que chamaram absurdo. Mas Allais era tudo menos surdo. Dizem que é dele esta frase: «A vida quanto mais vazia é, mais pesa». O que mostra bem como era atento aos ruídos do quotidiano. E àqueles que o tornam caricato, com os seus valorzinhos domésticos e pequeninos. Que é coisa que sempre foi abundante pelos tempos fora.

Parece que nasceu vizinho de Satie (que podem ouvir indo ao histórico deste blogue) e que se encontraram algumas vezes para trocar saúdes!

Leiam este conto de Natal, que fomos buscar aqui (obrigado) e brindem também.

Conto de Natal

Começa a fazer-se tarde. A festa está no melhor. Toda a gentinha está excitada, barulhenta e apaixonada. As moças, esgargaladas, entregavam-se todas. Os olhos começam a cerra-se-lhes e os lábios entreabertos deixam ver húmidos tesouros de púrpura e nácar. Os copos tão depressa se enchem como se esvaziam. Voam as canções, ritmadas pelo tilintar dos copos e as gargalhadas das lindas raparigas.
Mas eis que o velho relógio de sala de jantar interrompe o seu tiquetaque monótono e resmungão para furiosamente se pôr a gemer naquele tom que assume sempre que quer dar horas.
É meia-noite! Soam as doze badaladas, lentas, graves, solenes, com aquele tom de censura próprio dos velhos relógios patriarcais. Parecem querer dizer-nos que já soaram muitas vezes em intenção dos nossos antepassados defuntos e que hão-de tornar a soar para os nossos netos, depois de nós termos desaparecido.
Sabedores disso, a malta fala em surdina, após toda a noite de algazarra, enquanto as raparigas acabam com a risada.
Alberico, o mais doido do grupo, ergue então a taça e proclama com cómica gravidade:
-Meus senhores, é meia-noite! São horas de negarmos a existência de Deus!
Truz, truz, truz! Batem à porta.
- Quem é? Não se espera ninguém e os criados foram dispensados!
Truz, truz, truz! Abre-se a porta e vê-se aparecer a barba prateada de um velho muito alto, vestido com uma comprida túnica branca.
-Quem é o senhor?
-Sou Deus - respondeu o velho com enorme simplicidade.
Semelhante declaração deixou toda a malta um tanto incomodada; mas Alberico, que era mesmo homem de sangue-frio, replicou:
-Espero que isso não o impeça de beber um copo com a gente.
Na sua infinita bondade, Deus aceitou a oferta do rapaz e toda a gente se sentiu de novo à vontade. Recomeçámos a beber, a rir e a cantar. Já a cerúlea madrugada tornava pálidas as estrelas quando começámos a ir cada um para seu lado.
Antes de se despedir da gente, Deus concordou, com a melhor das boas disposições, em como de facto não existia.

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