– Dá licença? – Entre quem é.
– Muitos bons dias. – Olé,
Por aqui, minha senhora?
Desculpe Vossa Excelência
Se a não conhecia agora.
– Sem mais… À sua ciência
Recorrer venho. – Deveras?
(Senhor me dê paciência!
Nunca tu cá me vieras).
Então que temos? – Padeço.
– Sim? porém de que doença?
– Essa é boa! acaso pensa
Que eu porventura a conheço?
– Ah! não conhece? – Quem dera!
Então não o consultava.
– (E eu que muito estimava).
Mas diga, então? – Eu lhe conto…
Oiça bem. Não perca um ponto.
– Nem um ponto hei-de perder.
– Ai, doutor, doutor, meu peito…
– É do peito que padece?
Quem havia de o dizer!
– E Jesus, doutor, parece
Que me quer interromper?!
Não era a isso sujeito.
– Nem o tornarei a ser…
Vamos lá. – Ora eu começo…
Atenção é o que lhe peço;
Diga-me: que lhe pareço?
Não me acha muito abatida?
– Assim, assim; mas às vezes
A vista pode enganar.
– Não, não. Pode acreditar
Que há já um bom par de meses
É um tormento esta vida.
– Então que é o que sente?
–O que sinto? Ora eu lhe digo:
O doutor é meu amigo?
– Oh! senhora… – E é prudente?
Oiça, pois: Eu dantes era
Fera e rija, que era um gosto!
Ou em Dezembro ou Agosto
Correr o mundo pudera,
Sem no fim me achar cansada.
– E hoje? – Não lhe digo nada,
Nem comigo posso já.
– Mau é! – Quer saber, doutor?
Só para vir até cá,
Que tormentos não passei!
– Diga-me, se faz favor.
Que idade tem? – Eu nem sei…
Eu sou mais nova três anos
Que o reitor da freguesia.
– (É grande consolação!)
– Tenho ainda outros dois manos
Que mais velhos do que eu são,
Porém, como eu lhe dizia,
Doutor… – Que mais sente então?
– A vista sinto estragada,
Até já me custa a ler,
Demais a mais sou nervosa.
Isso não lhe digo nada!
Olhe, estou sempre a tremer.
Por consultar o doutor;
Eu tenho em si muita fé.
– Lisonjeia-me. – Outra queixa…
Que eu sofro também… – Qual é?
– É dum forte mal de dentes.
Todos me caem. – Bem, bem.
– E os que restam, mal assentes,
Qualquer dia vão também.
– É provável. – Ai, doutor!
Que cruel enfermidade!
Não acha? – Acho e o pior…
– Há-de curar-se, não há-de?
– E então não sente mais nada?
– Nada… ai, sim, tem-me parecido,
Porém, talvez me iludisse…
– Diga. – A semana passada,
Como ao espelho eu me visse…
Pareceu-me ter percebido…
– O quê? – Que a pele não era
Como dantes, tão macia.
– E então? – Quem me visse dissera
Que eram rugas. – (Eu dizia)
E é isso o que padece?
– Ainda pouco lhe parece,
Doutor? – Por certo que não.
– Então que doença tenho?
– Em sabê-lo muito empenho
Sempre tem? – Eu? Pois então?
Para isso o procurei.
– Bem, então sempre lho digo
Mas julgo não ficarei
Por isto, seu inimigo.
– Ó meu doutor! – O seu mal
É, senhora, de algum perigo.
– Ai Jesus! – E muita gente
Dele morre. – Oh Santo Deus!
Por quem é, não diga tal!
E… morre-se de repente?
– Conforme. – Pecados meus?
E então é isso o que pensa!
Porém ainda não me disse
O nome dessa doença
E eu sempre o quero saber…
– O nome? – Sim. – É… velhice!
…………………………………
– E o remédio? – Morrer.
Janeiro de 1860
Nota do autor: A lembrança não é minha absolutamente. Foi-me sugerida de um caso semelhante, que me contaram.