E gostei da de João Botelho, que vem hoje no suplemento do Público. Do Botelho sempre gostei e até lhe perdoava ser benfiquista (isto é para chatear os benfiquistas). Não gostei do filme anterior e pensei que pena, lá perdemos um realizador peculiar. Afinal, voltou e cheio de si.
Vamos lá então ao que interessa, as palavras de JB:
«A Agustina tem uma coisa engraçada. Quando vende os direitos dos livros põe três cláusulas. Se gosta do filme - e quer sempre ver o filme - tem que se pôr "adaptado do romance de Agustina Bessa-Luís"; se gosta assim-assim é "inspirado num romance de Agustina Bessa-Luís"; se não gosta nada, tem que se pôr "a partir de uma ideia de Agustina Bessa-Luís"...
Agustina viu o filme?
Viu, e ficou comovida.
E qual foi a sua sorte?
Ela deixou ficar "adaptado" [sorrisos]. Tenho uma carta que ditou à filha, Mónica, que é maravilhosa e que tem uma frase fantástica: "Finalmente se prova que não há incompatibilidade entre o cinema e a literatura." A minha paixão pelo romance resume-se a uma coisa: a arte é maior que a vida. Para mim, aquilo que me encantou foi a ideia de uma prostituta de Benfica, descoberta pelo Garrett, transformada numa actriz, Emília das Neves, transformada pela Agustina em Emília de Sousa, que por sua vez nunca revelou que era a Emília da Neves. Encontrei uma biografia, ainda do século XIX, intitulada "A Bela Emília", em que há frases dessa biografia que estão transcritas directamente para o romance. Aquela história da pateada é uma história que se passa no Porto, em que ela chega atrasada. Houve, de facto, uma pateada enorme, mandaram-lhe moedas e ela diz: "Se isso é para os pobres podem atirar mais."
(...)
Não há em "A Corte do Norte" demasiada literatura?
A voz, o texto, é tão matéria-prima como o olhar, como a luz. Este filme está marcado por duas fontes de inspiração: o texto da Agustina e a matéria de luz do Caravaggio. Isto serve-me para uma homenagem ao cinema, com a ideia de que a fotografia é anterior ao cinema, do cinema ser composto por vários elementos - isso chama-se matéria, matéria.
O texto é da Agustina, a luz é do Caravaggio, e a música...
... é também matéria, não é para encher chouriços. Tive a sorte de encontrar uma música de Schubert, "Rosamunde", e, é evidente, a "Traviata", do Verdi, que a Sissi ouvia. Mas é sempre assim: ouçam-na, ouçam a música, agora vejam um gesto.
(...)
A história não me interessa nada. O que me interessa é a maneira de escrever da Agustina - não gosto das coisas lineares mas das incongruências em que ela nos faz tropeçar - e a maneira de eu filmar. As histórias são do século XIX. O cinema deve ser maior do que as histórias. É o modo de filmar que me interessa. A arte não se percebe, um quadro não se entende, não é para perceber! E não tenhamos ilusões: a literatura é mais aberta do que o cinema. O cinema fixa coisas. Quando num romance se diz que uma pessoa está vestida com um casaco castanho, com uma gravata manchada de amarelo, com a camisa amarela eu pergunto: quantos castanhos há?
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