27 março 2009

Do prazer de ler


Hoje é dia do teatro. Todos os dias são dias de alguma coisa. Serve de pretexto para um texto ácido de Jorge Silva Melo, «E lá será mais um dia mundial da hipocrisia», publicado na edição de hoje do Público. Que gostamos de ler e de que transcrevemos excertos.

"Hipócritas éramos nós, gente do espectáculo, que tínhamos tantas caras que os demais nem sabiam como nos defrontar, e nos consideravam fugidios, falsos, com esse recurso, por todos e desde sempre invejado, de podermos adaptar-nos a outras circunstâncias, camaleões e dançarinos. (...)

Hoje não seremos nós, gente do teatro, stripteseauses da verdade poética, quem terá várias caras, que andam fechados os teatros, em ruínas, degradados, em perigo ou já foram demolidos - e poucos espectáculos se farão nesta noite.

Mas haverá almoços, discursos e jantares, debates e inquéritos.

E os hipócritas não seremos nós, que há anos (nós e os antes de nós, tantos) pedimos esmola, atenção, diálogo, intervenção, planificação, política aos políticos, certos que estamos de que o teatro não pode estar sujeito ao mercado, é área de intervenção do Estado, coração da língua, a tal língua que só no palco tem corpo e suor - e às vezes essa coisa única, gargalhadas e lágrimas.

Vamos, mais uma vez, fingir que nos amam, que nos respeitam, almoçar, ouvir declarações de amor e pedidos de voto, (...) dar beijos, agradecer e dar abraços, vamos todos fingir.

(...)

Como vamos encarar toda essa gente que vive à nossa custa - funcionários em barda que se ocupam de "cultura" - e nos vai vir abraçar, beijar, cumprimentar, prometer coisas que sabem tão bem que à primeira esquina, aliança política ou campanha eleitoral não irão cumprir? Como vamos encarar os desmaiados salamaleques - e mesmo as desculpas dos que ainda se desculpam... - de tanta gente?

Engolindo para dentro a nossa miséria, a nossa tristeza, calando?

Ou herdando o gesto sincero do Zé Povinho, esse rapaz de Bordalo?"

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