12 setembro 2008

A polícia do gosto poético (PGP) em Portugal

Há pessoas curiosas. Quiçá por defeito profissional, acreditam que mais do que os factos ou a natureza dos objectos, importam as opiniões. O modo como as redacções dos jornais funcionam, as centrais noticiosas e de propaganda tem esse efeito nas cândidas almas dos jornalistas. Veja-se o que diz um deles, Luís Miguel Queirós, autor da piada mais interessante da rentrée, publicada num suplemento do jornal onde trabalha, o Público. Diz ele: «Olhando para trás, ocorre mesmo perguntar se a discutível imagem que hoje se tem dos anos 80 como a de uma década um tanto falhada, ou incaracterística, na poesia portuguesa, não ficará a dever-se bastante ao facto de os seus poetas não terem tido críticos que separassem águas e fossem verdadeiros formadores de gosto.»

Depois, diz o douto LMQ que as recensões críticas a livros de poesia são cada vez mais raras, mesmo em se tratando de «poetas francamente importantes». Curiosa asserção a dele que trabalhando no Público e podendo dar notícia desses importantes poetas não o faz.

LMQ, que parece gostar muito de ambientes claustrofóbicos e de descrições cruas do horror e da bestialidade, tem o condão, tão recorrente em Portugal (e noutros países) de precisar de alguém que lhe oriente o gosto, mostrando-se por isso mais uma caixinha de eco de Joaquim Manuel Magalhães, crítico aguerrido, que deixou sulcos fundos em muitos dos que cresceram para a poesia lendo as suas recensões.

O problema de LMQ, como de resto o de tantos da sua idade e até mais novos, é que se ficaram pelo JMM e se esqueceram de ler outros autores que não apenas os lusos. Porque a poesia portuguesa sempre foi aberta ao mundo, mesmo em momentos de crise como a da Santa Inquisição ou a da PIDE. O fulgor de JMM vem de ter sabido ler sinais que lhe chegavam em inglês e em espanhol. Ainda que, com o tempo, pareça ter cristalizado e as últimas opiniões publicadas revelem um arrazoado exegético que só almas cândidas como LMQ deglutem como se fosse um pastel de nata. Afinal, a crítica em Portugal sempre foi assunto de igrejas, dando-se sentidas cabeçadas de amem à opinião dos que sabem dissertar.

E se a candura de LMQ não se assemelha à de outros, para quem poesia é tudo o que editam ou tudo o que aparece impresso ou publicado na net, não anda muito longe, confundindo literatura com marketing e relações sociais e dando mostras de certa afectação com isso de «não perder nenhum novo autor relevante», como se lhe marcassem falta de mau comportamento ou como fosse castigado pelo futuro – Tu aí, que deixaste passar o livro X de um autor relevante. Se as editoras fossem o garante de alguma coisa, as ironias do seu tão amado Herberto Hélder ou o sarcasmo de Joaquim Manuel Magalhães não fariam o mínimo sentido ou seriam puro ressentimento.

Nota: o título deste post pede emprestado a Andrés Trapiello (mormente ao autor do Salón de Pasos Perdidos) o gosto pelas siglas.

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