11 abril 2008

Viver em Portugal: Take 1

Transcrevemos com a devida vénia um post daqui. Obrigado HMBF.

"Esta ânsia de em tudo encontrar um especialista, um estudioso, um jovem especializado nisto e naquilo e naqueloutro. Esta ânsia de antecipar o nome, de o classificar, de lhe outorgar um título. Vivemos nesta ânsia e desta ânsia ninguém nos tira. Mesmo quando, respeitosamente, pedimos que nos tratem apenas por aquilo que mais somos: pessoas, leitores, seres humanos defeituosamente colocados num mundo defeituoso. Mesmo quando, encarecidamente, pedimos que nos chamem apenas pela humana condição de estarmos vivos e de, por isso, sofrermos. Porque esta ânsia de em tudo vislumbrar um doutor, um estudioso, um especialista, um senhor professor, é a ânsia de nem sequer sabermos copiar uma frase, de nem sequer sabermos discernir o talento do trabalho, de nem sequer sabermos que deveríamos, pelo menos, saber qualquer coisa antes de nos reduzirmos ao trato. Constatar que tanta gente ainda vive nesta ânsia deixa-me ansioso, a pensar no que seria de mim se não fossem coisas tão simples como estar agora aqui a declarar que considero o meu país uma região inóspita, um lugar cada vez mais inabitável, sufocante, estupidamente provincial, passe a redundância, no modo como trata, promove, elogia e paga a fatal ignorância dos pobres de espírito. Não entendo, não consigo entender, cada vez mais tenho dificuldades em aceitar esta ânsia. E penso noutros que, muito antes de mim, se viram assim atirados para a poça lamacenta do desrespeito. Pois trata-se, no mínimo, do mais elementar respeito. Mas que esperar de um país aparente, de um país engravatado, de um país que cultiva a superficialidade a ponto de tratar um vulgar leitor por especialista e estudioso? Juro que a culpa não é minha. Nada fiz para merecer o título. Antes pelo contrário, tudo fiz para que ficasse bem esclarecido, no limite, que não passo de um vulgar desempregado que, por essa involuntária condição, tem tempo para ler e para escrever e para matar moscas. Devia haver quem nos pagasse tal actividade tão ecológica. Devia haver quem pagasse o desemprego, sempre estamos a contribuir para a protecção do ambiente evitando o consumo de insecticidas. Vou especializar-me no assunto, vou estudá-lo profundamente, para que no futuro possa merecer, então, essa condição de estudioso de alguma coisa, de especialista em alguma coisa. Nem que seja em matar moscas."

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