Adoro essa paixão absurda que tens
por Hitchcock, o ar cansado
com que chegas a casa e dizes:
voltaste a pôr demasiado sal na sopa.
Adoro a impaciência com que me distrais
dos diálogos que travo com o nada,
quando me contas as tuas façanhas
na república do medo. Adoro a tua insónia,
os teus parcos haveres nos domínios
da roupa interior, e o nunca te rires
das minhas piadas. Adoro ver no telemóvel
o teu nome a dançar, a tua sensatez
um pouco aérea, o jeito nervoso
da tua condução. Adoro ler as coisas
que sublinhas nos livros, a destreza
do teu corpo possuído p’la cinética
beleza da música latina – o teu corpo
trabalhado por abruptos desenganos,
quando dança seminu sob o vão da sala,
e me leva, imagina, a pensar, caramba,
que excitante é o mundo.
(24 de Março, 2004)
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