Um prédio em construção,
quantas vezes nos fizemos amor
sentindo misturar a cal no cimento.
O baque da massa granulosa
tinia-me por dentro como polegar em sino,
coice da mão contra jarro de vidro.
Tu continuavas vaivindo sobre mim
lembrando-me o engenho
de açúcar no repouso
a nora em alcatruzes
o moído do grão.
Ouvia o tossir de um pedreiro mais idoso
quando enfim descansavas.
O teu peso deitado
atrás das minhas costas
soava na lata do prato
ou no metal do copo
os arranjos tardios da lancheira manchada
por pingos que a unha
já não pode arrancar.
Rápidos subíamos até à varanda,
juntos nos sentávamos,
colunas partidas sulcavam o chão.
Vendo à frente o mar de repente baço,
povoado e lento
esvaindo-se em barcos, sereias, guindastes
chaminés listradas, gaivotas à volta,
o olhar cansado, sentindo-me húmida
ouvia nos dedos pulsar o teu sangue.
O cheiro que ressumas fazia por cima
de nós um dossel,
a tarde azulada caía de manso.
Ao fundo a igreja e seus minaretes,
a lua espreitava por trás do zimbório,
caía a poalha de um império desfeito
sobre Lisboa enfim pacificada.
(Cidades Indefesas, 1980 / Cadeias de Transmissão, 1999)
[transcrevemos a versão deste último livro, que reúne seis livros da autora]
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