16 abril 2008

Fátima Maldonado


Um prédio em construção,

quantas vezes nos fizemos amor

sentindo misturar a cal no cimento.

O baque da massa granulosa

tinia-me por dentro como polegar em sino,

coice da mão contra jarro de vidro.

Tu continuavas vaivindo sobre mim

lembrando-me o engenho

de açúcar no repouso

a nora em alcatruzes

o moído do grão.

Ouvia o tossir de um pedreiro mais idoso

quando enfim descansavas.

O teu peso deitado

atrás das minhas costas

soava na lata do prato

ou no metal do copo

os arranjos tardios da lancheira manchada

por pingos que a unha

já não pode arrancar.

Rápidos subíamos até à varanda,

juntos nos sentávamos,

colunas partidas sulcavam o chão.

Vendo à frente o mar de repente baço,

povoado e lento

esvaindo-se em barcos, sereias, guindastes

chaminés listradas, gaivotas à volta,

o olhar cansado, sentindo-me húmida

ouvia nos dedos pulsar o teu sangue.

O cheiro que ressumas fazia por cima

de nós um dossel,

a tarde azulada caía de manso.

Ao fundo a igreja e seus minaretes,

a lua espreitava por trás do zimbório,

caía a poalha de um império desfeito

sobre Lisboa enfim pacificada.

(Cidades Indefesas, 1980 / Cadeias de Transmissão, 1999)

[transcrevemos a versão deste último livro, que reúne seis livros da autora]

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