01 abril 2008

Enxaqueca


Acontece-me com frequência. Não sei por que sim, nem por que não. Mas calculo. Em certas alturas do mês, então, é sagrado. Ouço-a chegar com os seus chinelos de trazer por casa. Primeiro, mal se faz ouvir. Depois, bem, depois parece um coro de vendedeiras histéricas, a falar tudo ao mesmo tempo, a ver quem consegue dar a volta ao freguês. O freguês é a minha cabeça, que começa a latir e a chiar, qual velha oficina de latoeiro.

Podia enfiar-me no supermercado ou numa loja. Podia ir a um bom restaurante. Ou ficar em casa a dormir. Podia. Mas o problema é precisamente esse. Não posso. Nem devo. E aqui é que está o busílis (senão a bílis) da questão. Pois é nestas alturas que apetece mais.

Antigamente não era assim. Verdade verdadinha. Mas algum dia tinha que ser. E lá chegou o malfadado. Ao princípio, confesso, sabia bem. E se não era muito, tinha pelo menos a vantagem de sobrar. Porque nesse tempo ainda não era proprietário. A pouco e pouco, por causa da mania de dar ouvidos aos outros, deixei-me convencer e lá fui todo contente atrás do anúncio que prometia facilidades. O sorriso, a voz doce, tudo parecia de acordo. Num ou noutro momento, fosse pela alteração do tom de voz, fosse pelo olhar um pouco distante, estive vai que não vai para desistir. Mas não só não o fiz, como até me senti importante ao assinar aqueles papéis todos. E assim me endividei para a vida toda.

A constituição diz que temos direito a habitação, mas não especifica os termos. Não diz que a banca é que é dona do imobiliário. A minha casa custa-me os olhos da cara. E enxaquecas. A enxaqueca é isso, não é, uma gula, um pecado? Se ao menos fosse filho de um banqueiro… mas não sou. Pago os meus impostos, pago-os quando compro qualquer coisa (tenho que comer, que pagar água, luz, telefone, net, tv cabo, etc.) e a malfadada prestação cada vez mais alta. Como a enxaqueca, cada vez mais forte.

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