29 junho 2009

O discurso da pobreza


Essa coisa do "pobres mas felizes" soa um pouco a "o povo é soberano", mas vai-se a ver e a soberania é apenas fachada e a felicidade é o mesmo lado da moeda. Maneira de dizer que apesar dos sofrimentos e das faltas se conserva o espírito.
Basta andar pelas ruas para ver a felicidade espelhada nos rostos. Até assusta tanta felicidade. É como perguntar a alguém que chora se está triste... quantos não dizem que não, que choram de alegria. Sim, Portugal é o país da euforia. E quiçá da esquizofrenia.
Portugal tem 1,8 milhões de pobres. Por coincidência, é esse o número de reformados existentes no país e cuja pensão média é de 385 euros.
Só em quatro concelhos, a pensão do reformado médio permite ultrapassar o limiar de pobreza (360 euros). São eles Lisboa, Setúbal, Porto e Aveiro.
Nas cidades é mais comum encontrar casos de miséria extrema e abandono, apesar do crescente número de equipamentos sociais. E também de pessoas com vergonha de pedir ajuda. Veja-se o caso de um idoso que foi encontrado morto já em decomposição, no Porto, na semana passada. Na cidade, a solidão é muito mais densa. Vale a pena ler Nos rastos da solidão, de José Machado Pais (Ambar, 2006).
Já os ricos, coitados, devem andar tristes. Ascende a mais de 24 milhões de euros (24.301.669 euros) o montante total que os cinco arguidos do caso BCP (Banco Comercial Português) - os ex-membros do Conselho de Administração (CA) Jardim Gonçalves, Filipe Pinhal, Christopher de Beck, António Rodrigues e António Castro Henriques - receberam entre 2001 e 2004, respectivamente: 9693 milhões de euros, 2913 milhões, 2684 milhões, 2661 milhões e 1505 milhões. "Montantes que os arguidos, apesar de bem saberem não lhes serem devidos, fizeram seus e permitiram que os restantes membros do CA igualmente o fizessem", sendo recebidos nos anos seguintes, tendo a última vez sido em Junho de 2007
No final do estudo "Necessidades em Portugal – Tradição e Tendências Emergentes", os investigadores viram-se perante um país socialmente muito frágil, pouco capaz de se mobilizar individual e socialmente. Mas, apesar disso, com altos níveis de satisfação e felicidade. Como é que se avaliam esses níveis? Só pelo que as pessoas dizem? A ser assim...

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