08 janeiro 2012

Haja quem dê nome aos bois

«Os portugueses parecem condenados à sina do quanto melhor, pior. Quando lhes falaram do reforço da concorrência em áreas sensíveis como a energia, prometeram-lhes melhores preços e melhor serviço - uma miragem por cumprir; quando lhes anunciaram o radioso futuro da televisão digital terrestre (TDT), garantiram-lhes uma maravilha tecnológica condenada a mudar para melhor a sua relação com um dos seus aparelhos favoritos - uma falsidade. O mundo muda, a concorrência aumenta, a tecnologia facilita, mas sempre que se liberalizam mercados ou se lançam concursos, suspeita-se logo de quem ganha e de quem se arrisca a perder: os cidadãos.

(...)

uma vez que já não é possível evitar o pagamento do descodificador, gasto a que, por exemplo, uma ampla franja dos espanhóis se pouparam, que haja a compensação com uma maior oferta de canais na TDT. Já não se pedem os 43 canais do Reino Unido ou os 27 da Espanha, mas ao menos um pouco mais de possibilidade de escolha.

Já se sabe que estes pedidos acabarão por esbarrar nos labirintos burocráticos, nas limitações técnicas, na natureza do mercado ou nos direitos adquiridos. O costume. Mas, por uma vez, seria bom que os cidadãos exigissem mais. Se Portugal partilha com o resto da União Europeia o mesmo processo de migração tecnológica, não há desculpas para que os benefícios que chegam aos italianos não cheguem também aos portugueses. Se nada for feito, se os nacionais da fronteira do Minho tiverem de pagar um satélite para ter o serviço com menor oferta do que recebem de Madrid, se os mais pobres, frágeis e excluídos do interior do país forem vítimas de um apagão, se tudo continuar montado para beneficiar os canais do cabo, teremos assistido apenas a mais um esbulho de direitos patrocinado pelo Estado. E aí, a suposta modernidade do digital servirá apenas para confirmar o anacronismo dos poderes públicos, o domínio dos interesses privados e o conformismo de uma cidadania condenada a pagar facturas.»

Editorial do Público de hoje.

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