O dia 23 de Abril foi escolhido pela UNESCO para comemorar o Dia Mundial do Livro por, supostamente, ter sido o dia em que morreram três grandes escritores: o espanhol Miguel de Cervantes, o inglês William Shakespeare e o peruano Garcilaso de La Vega («El Inca»). Todos no ano de 1616. Mas, na verdade, nem Cervantes nem Shakespeare morreram no dia 23. Cervantes morreu a 22 de Abril e Shakespeare no dia 3 de Maio.
23 de Abril é também o dia em que nasceram ou morreram outros escritores, como Vladimir Nabokov ou Josep Pla. A data é celebrada desde 1996, como uma homenagem ao livro e aos autores.
Dada a vulgaridade da imprensa e a facilidade com que qualquer medíocre publica livros, talvez fosse bom delimitar o sentido do substantivo livro e explicitar o que é isso de autor. Se o termo autor contém muitos usos, a raiz etimológica é muito clara quanto ao sentido: autor é aquele que cria, que funda, que inventa. Já quanto a livro o sentido é o mesmo de sempre: um caderno com determinado número de folhas. Haver um dia para comemorar apenas o livro seria, convenhamos, um tanto ou quanto humorístico. Quase tanto como haver o dia mundial do plástico. Mas apesar de ser o dia dos autores, o certo é que pouco ou nada se fala deles. Talvez por ser próprio dos dias de evitarem-se as ideias e acabar-se, invariavelmente, a bater nas estatísticas. Bater dá muito mais gozo do que debater. Batamos então um pouco nos órgãos da Região que têm o livro a seu cargo.
Nos Açores, a SPA (Sociedade Portuguesa de Autores) vai à Horta, à Escola Secundária Manuel de Arriaga, oferecer um conjunto de livros para a biblioteca e distribuir junto dos alunos o folheto «SPA: Modo de Usar», livros, relógios, pastas e CDs de música portuguesa. Quando de lá saírem, os alunos vão a correr para as salas ler. Ah, como ler é divertido. Divertido e produtivo: dão-me um relógio e CDs. O resto ponho disfarçadamente no ecoponto amarelo. Ontem aprendi que para defendermos a Terra devemos reciclar. É isso que eu faço, reciclo. Se vai mesmo para reciclagem, ou se juntam tudo na lixeira, não me interessa. O que importa é parecer que… Eu faço de conta que leio. Eles fazem de conta que reciclam.
Já na ilha Terceira, o Serviço Educativo do Museu de Angra do Heroísmo vai proporcionar uma recepção “cheia de surpresas” aos visitantes da instituição. Ou seja, além de uma visita à biblioteca do Museu, haverá lugar para «a exploração da organização dos livros no espaço». (Ler, já se sabe, é meio caminho andado para chegar a engenheiro ou a arquitecto. Ou será apenas a pedreiro?)
Coisa pouca e triste para uma ilha que se auto-apelida da cultura, mas consequente, pois até o próprio programa da Direcção Regional da Cultura é vago e falho de ideias, além de revelar pouco cuidado na redacção. Para a DRC, a «leitura constitui uma ferramenta fundamental do desenvolvimento da personalidade, mas também da socialização como elemento essencial para conviver-se em democracia e desenvolver-se na Sociedade de Informação.» O resto nem transcrevemos, quem quiser pode consultá-lo aqui. Terá sido redigido por alguém bem-intencionado mas que de livros e de leitura sabe manifestamente pouco. De resto, o que importa é apresentar serviço. Umas larachas e algum blá-blá e pronto, NÓS TAMBÉM COMEMORAMOS O DIA MUNDIAL DO LIVRO.
É para isso que servem os dias de, não é?