07 janeiro 2010

Programa de Bolsas para Criação Artística dos Açores

Nos Açores acontecem coisas estranhas. Em Outubro de 2009, o governo regional criou, através da presidência, o Programa de Bolsas para Criação Artística. Os termos da coisa constam do despacho n.º 1134/2009, de 29 de Outubro de 2009.
A redacção do dito cujo tem aspectos peculiares, que enformam de vícios colturais muito em voga nos dias que correm e que confirmam o quanto a cultura estatal se aproxima da propaganda.
Diz-se, em jeito de preâmbulo que "O objecto do Regulamento do Programa de Bolsas para a Criação Artística é fomentar, no âmbito regional, o desenvolvimento de projectos individuais de criação e de pesquisa de linguagens nas áreas artísticas, criando condições materiais para que artistas e profissionais residentes nos Açores desenvolvam e produzam obras inéditas e de qualidade, ampliando a produção e a difusão das Artes." São contempladas as seguintes áreas: Artes Visuais, Criação Literária, Dança (Coreografia), Dramaturgia, Fotografia, Música (Composição Erudita) e Música (Composição para Bandas Filarmónicas).
Vejamos o caso da criação literária. Diz o texto "Desenvolvimento de projecto de criação literária individual nos seguintes géneros narrativos: contos, novela ou romance - , que resulte numa obra ou num conjunto de pequenas obras (série ou colecção), destinado a público juvenil ou a público adulto, com conteúdo de ficção baseado em factos históricos, personagens verídicas ou lendas, originárias na história ou imaginário imaterial açorianos, resultando em obras inéditas para publicação."
Primeiro reparo, a poesia fica esquecida. Porquê? A gente olha para os grandes nomes da literatura "açoriana" e só encontra poetas: Roberto de Mesquita, Antero de Quental, Armando Cortes Rodrigues, Vitorino Nemésio, Pedro da Silveira, Natália Correia, Emanuel Félix (para só nos referirmos aos mortos). Mas para quem andou às voltas com a redacção do dito despacho, a poesia pareceu-lhes coisa de somenos. Quiçá por ignorância?
Segundo reparo, em nenhuma das outras áreas a sanha dirigista alcança os requintes alcançados na criação literária. No entendimento do legislador, a literatura só é válida quando afim do folclore? Ou quando limitada a um entendimento neo-socialista da literatura? Ou será que o legislador, secreto admirador dos pastiches de Dan Brown e afins, desconhece que a criação literária se orienta pelas mesmas regras das outras artes? (Não se vê o pedido de criação e composição inédita em Música Erudita com temática histórica açoriana; tão-pouco se faz o mesmo pedido em relação à Dramaturgia ou à Fotografia - e a história mostra que o romantismo, época da criação do folclore, contaminou essas expressões artísticas).
Não será possível encontrar um discurso urbano e contemporâneo nos Açores?
Enfim, trapalhadas, para não dizer idiotices governamentais, que mais fazem lembrar os dislates do Estado Novo do que um governo democrático dos nossos dias.
Gabriela Canavilhas foi a responsável pela coisa. Carlos César foi e é, pois assinou-a e vem da Presidência toda a trapalhada.
Esperemos que o novo titular da Direcção Regional da Cultura, Jorge Bruno, possa reparar algo que ainda não começou e já cheira mal.

2 comentários:

firmina12 disse...

gostava de ver este artigo no diário insular, pois não sabia e espantou-me

Anónimo disse...

Hoje, dia 2 de Agosto de 2010, o dr. Jorge Paulus Bruno, não se digna a anunciar os resultados das decisões dos Júris: porque será? Recorde-se que deveriam ter sido anunciados em Fevereiro.
Antunes