31 janeiro 2010

Rui Ramos ao Público

«[...] não é verdade, como escreve Nuno Monteiro, que mesmo no seu apogeu Portugal fosse uma grande potência. Tivemos sempre de jogar com os diferentes poderes e aproveitámos apenas uma janela de oportunidade. Mal apareceram concorrentes mais fortes deixámos de ser uma potência determinante no Oriente. Pensar que podíamos manter o domínio do Índico para lá do século XVI é pensar que tínhamos uma força que nunca tivemos.

Mas passou por cá uma enorme quantidade de riqueza que não criou raízes. Porquê?

Esse período não é a minha especialidade, mas muito provavelmente não criou raízes porque Portugal já era um país pobre, e já então quando se atirava dinheiro para cima de um país pobre ele desaparecia. E éramos um país pobre no sentido em que não possuíamos estruturas para produzir riqueza de forma auto-sustentada. O dinheiro que por cá passava era utilizado pelas elites para comprarem luxos onde eles eram manufacturados: no Norte de Itália, no Norte da Alemanha e nos Países Baixos. Regiões que são ricas hoje como o eram no século passado ou no século XVI. Ou mesmo no século XII. Basta olharmos para as nossas igrejas medievais e para as nossas obras do Renascimento e ver o que se fazia nesses países.

Como explicar a capacidade de outros países europeus que eram pobres, marginais e muito atrasados mas saltaram para o pelotão da frente?

O que a investigação de história económica mais recente nos mostra é que houve quase sempre limitações de recursos e de oportunidades em Portugal. Quando existiam oportunidades, os portugueses sabiam agarrá-las - quanto mais não fosse emigrando. Por outro lado, no momento decisivo do salto em frente no século XIX, Portugal não tinha um conjunto de recursos naturais muito importantes, a começar pela impossibilidade de produzir, a preços competitivos, os alimentos mais procurados. Só tínhamos o vinho, mais nada. Há também outras razões, algumas delas culturais: também não tínhamos gente preparada, gente letrada em quantidade suficiente.

Portugal foi um país que nunca estimulou os homens livres. Pelo contrário, sempre houve uma tendência para ricos e pobres se encostarem ao Estado. Porquê?

Uma explicação para isso tem a ver com a dimensão ultramarina de Portugal, que permitiu que o Estado se soltasse da sociedade. O Estado não necessitava de cobrar impostos nem de estimular o desenvolvimento, pois os proventos não lhe vinham da metrópole mas da pimenta das Índias ou do ouro do Brasil. Isso criou um poder político centrado em Lisboa, transformada quase em cidade-estado onde tudo se passava, à margem de um interior rural e pobre com que ninguém se preocupava. E quem queria pertencer à elite tinha de vir para a Corte. A nossa aristocracia, ao contrário da aristocracia inglesa ou da aristocracia prussiana, não era terratenente, vivia de rendimentos públicos. Houve sempre um Estado maior do que o país e do que a sociedade devido à realidade ultramarina. Quando se perde o Brasil, passamos a ter um Estado que desconfia da sociedade, que acha que ela não se sabe governar. Encontramos essa mentalidade nos liberais, nos republicanos e nos salazaristas. Todos entendem que têm a missão histórica de arrastar a sociedade para o que entendem por bem comum. Lutam os liberais e os republicanos contra uma sociedade que vêem como tradicionalista e reaccionária, lutam os salazaristas contra uma sociedade que vêem como individualista e anárquica.

Todo esse discurso aponta para um momento de corte, como se houvesse um Portugal do Antigo Regime e um Portugal pós-Revolução Liberal. É isso?

Sim, e esta é porventura uma das novidades desta "História de Portugal" para alguns leitores: a grande revolução em Portugal nos últimos 200 anos foi a Revolução Liberal, foi aquela que mudou realmente o mundo político e cortou todas as pontes com o passado.

[...] Há um país antes de 1820, ou mais exactamente antes de 1832-34, e outro depois. Na República não mudam os paradigmas, com o triunfo da Revolução Liberal mudou tudo na relação dos portugueses com o Estado. Como disse Almeida Garret, foi nessa altura que um Portugal Velho acabou e começou um Portugal Novo. Todas as instituições, algumas delas seculares, desapareceram. Até acabou a velha relação das pessoas com a terra, que não correspondia à ideia de propriedade individual e absoluta dos dias de hoje. O mapa dos concelhos é todo alterado, na prática destruiu-se um poder municipal que vinha desde o nascimento do país. É também então que começa realmente a separação de poderes. Mas a "maior revolução social da história portuguesa", como se lhe referiu Alexandre Herculano, também destruiu as condições para um equilíbrio entre o Estado e a sociedade que permitisse a modernização, no contexto de uma sociedade tradicional que vai evoluindo sem destruir.

[...]

O que é que alguém que queira pensar Portugal hoje pode retirar desta História?

Pode perceber que Portugal não começou ontem, que existem condicionantes que vêm do passado, pode até verificar que algumas soluções já foram tentadas no passado, como os programas desenvolvimentistas de obras públicas, e que não deram resultado. Mas a história também é importante para percebermos a nossa inerradicável pluralidade. Não permite um discurso uniformizador sobre "o português"...

Então livros como "O Medo de Existir", de José Gil, não fazem sentido...

Tenho sempre uma enorme dificuldade em compreender as obras que passam por uma antropomorfização de Portugal, como se Portugal estivesse ali ao lado sentado a tomar café. Há dez milhões de portugueses, logo há dez milhões de maneiras diferentes de se ser português. A alternativa a esse discurso é uma História de Portugal que não procura uma explicação filosófica geral. Temos muitas coisas comuns, mas o fado é de Lisboa e o vinho verde tinto é do Norte Litoral. Não tentemos esconder a pluralidade nem substituí-la por uma qualquer leitura secular do velho providencialismo divino.»

Fonte: Y

30 janeiro 2010

Joaquim Manuel Magalhães

Benjoim


Regresso ao silêncio da sala,
à plana doçura do inverno,
a campainha que não vai tocar.

*

Com talos de couve e uma bola de pau
jogávamos (a quê?) quando um professor
faltava. Apenas os traidores.

*

Os elefantes são por natureza
melancólicos, têm medos,
torturados por sonhos ferozes.

*

É sempre a pior gente
que primeiro não acredita.
E sempre a pior gente
que depois não deixa de acreditar.

*

De noite, às escondidas.


[in Uma luz com toldo vermelho, Presença, 1990, pág. 60]

Jorge de Sena

Para bellum

Protestos, livros, poemas, sacrifícios,
a história analisada e desmascarada: a paz
e não a guerra desde sempre a guerra.
É velho tudo isto. Há malandros
para ganhar com as guerras, há patriotas
para mandar os outros morrer nelas, há
heróis ou não heróis que morrem nelas,
há multidões para serem massacradas.
Eu protesto, tu protestas, ele protesta, etc.
E nada muda, ou muda para mais.
Antigamente, os faraós ao contar os mortos inimigos
nunca os próprios mortos) exageravam - evidente.
Hoje, os comunicados cometem sempre esse exagero
e a mesma distracção discreta). Mas há sempre
humanidade com vocação para matar e multidões
com vocação vacum para cadáver.
E neste cheiro a podre milenário - vale a pena
sequer dizer que são filhos da puta?

Dec. 3/1970

[in Visão Perpétua, Edições 70, pág. 123]

Cultura e ex-ministra da pasta

"O primeiro-ministro identificou o pouco investimento em Cultura como um erro da sua governação, admitindo que talvez devesse ter investido em Cultura como fizera em Ciência."

"Ainda não será desta que a promessa "reforçar o orçamento da Cultura" será cumprida, apesar do simpático mas aparente aumento na estimativa global da despesa de 12,8%, anunciado sem detalhes por alguma comunicação social. Todavia esta informação do OE importa ser complementada por outra que faz o sector Cultura corresponder a 0,1% do PIB e a 0,4% do OE, crescendo 0,1%."

"Estamos nuns tímidos 0,4%; em 2005, estávamos em 0,6% [do Orçamento de Estado para a Cultura]."

"A Cultura continua, pois, não sendo alçada a prioridade política, facto incompreensível quando recente estudo independente revela que, em 2006, o sector cultural e criativo representou 2,8% da riqueza produzida em Portugal e criou 2,6% do emprego. Isto para só falarmos em números..."

"Replica-se a gasta e ultrapassada fórmula de, em época de vacas magras, não alimentar a Cultura, mesmo que o paradigma de desenvolvimento tenha mudado, revelando que o que ela produz é potenciador de energia criativa e económica na sociedade da inovação de hoje."

Isabel Pires de Lima no i online

Quer dar uma conferência na Gulbenkian?


Precisa apenas de duas coisas: 1ª ser americano; 2ª ser um perito em disparates.
Veja-se: Paul Pastorek, superintendente para a Educação no estado de Luisiana nos EUA afirmou que «se o aluno chumba o ano, a culpa é do professor; se o aluno desiste de estudar, a culpa também é do professor; e se o aluno falta às aulas, a culpa é outra vez do professor. O sucesso escolar de uma criança está sempre nas mãos do professor. Nem as origens socioeconómicas nem o contexto familiar servem de justificação - a culpa é sempre da escola, que não soube encontrar as estratégias certas para ensinar os seus alunos.»
O mais extraordinário é que há muita gente que precisa de ouvir disparates. Sobretudo se forem ditos em inglês. Soam muito melhor. Não é que uma tal audiência tenha sentido de humor. É que se sente muito menos diminuída.
Quem anda em transportes públicos ou frequenta cafés e ouve as explicações que os portugueses encontram, sabe que somos um povo especialmente dotado para acreditar em aparições, em bruxas e noutras maravilhas. Um português sempre descobre as razões secretas e é sempre capaz de explicar o inexplicável. Somos altamente dotados para as ciências e para a Verdade.
Voltando à escola, sabe quem por lá anda que a escola é o sítio onde se desenham saídas e prisões. Saídas para os que desenvolvem capacidades. Prisões para os que jamais conseguem sair do mundo fechado em que nasceram e onde vivem.
Em Portugal ainda há poucas escolas para ricos, mas são muitos os que querem que haja mais, pois o negócio é, de facto, apetecível. Na América, há a escola pública para os pobres e escolas para os endinheirados. Aos pobres há que alimentar a ilusão de pertença, conduzi-los, qual gado manso, ao redil e mantê-los entretidos. Serão aquela mão-de-obra barata de que precisam os empresários pequenos.
Sempre houve gente capaz de defender que a individualidade não existe, que apenas interessa a manada. E se a manada faz X, todos têm que fazer X. Porque isso é do alto interesse de meia dúzia de senhores.
Às vezes, ainda parece possível haver quem saiba que só se pode aprender quando se tem interesse, quando há uma motivação própria, individual. Mas isso será cada vez mais uma visão minoritária. O que é preciso, cada vez mais, é ter bem identificados os alvos a abater. Porque assim andamos todos mais seguros, mesmo que vivamos dentro de uma imensa mentira.
Que o diga o pastor Pastorek.

28 janeiro 2010

Jerome David Salinger (1919 - 2010)



Morreu (ver aqui) um ícone da literatura pop americana. Salinger há muito não publicava nada, mas periodicamente a imprensa americana servia-se dele para alimentar o mito. A editora precisava de continuar a vender o autor para lhe pagar o que havia sido acordado.
Era budista e detestava que o procurassem, que o fotografassem, que se metessem na sua vida. Os livros que escreveu e lemos não são grande coisa. O que lhe deu a fama (The Catcher in the Rye / À Espera no Centeio, 1951) teve o mérito de falar em linguagem de todos do que era um tabu na puritana sociedade americana e fazê-lo pela voz de um adolescente. Como a América é o país dos adolescentes, a coisa foi um sucesso. E quando os adolescentes chegam a velhos, recordam-se dos "anos loucos" da juventude e... um círculo que rendeu.
As anedotas são quase tão interessantes como as histórias do autor. Agora, veremos se a pouco e pouco saem livros que tenha deixados escritos que valham a pena ler.

De cada vez que abre a boca sai asneira



Que o engenheiro é vaidoso, todos sabíamos. Que sabe vender o seu peixe ,também. Que está tão inchado que mais parece um sapo... idem.
Ajudem-me a perceber como é que alguém supostamente responsável (e criador de tantos empregos - a demagogia da criação de empregos é tão doce nos nossos dias, que eu próprio estou a pensar criar uma empresa e empregar mil pessoas de cada vez, com salários adequados, assim coisa proporcional ao que paga Belmiro com os lucros que tem, ou seja, um euro por cabeça) tem necessidade de vir com as atoardas que a Visão publicou.
Soa-me a duas coisas, ressentimento e negócios em vista. Belmiro está-se nas tintas para o resto. Ou há muito teria aumentado os salários mais baixos, em época de vacas gordas. E não só não fez, como sempre foi pródigo em utilizar mão-de-obra barata, precária e tratada quase como gado. Repare-se que ele quer aumentar salários é aos gestores, pois são eles que sujam as mãos e encontram estratégias para contornar leis laborais e outras minudências.
Os patrões portugueses nunca defenderam senão o lucro próprio, o resto é fogo de vista para seduzir os papalvos que se babam de contentamento sempre que uma abécula maldiz a classe política.
Outro exemplo é o douto Ricardo Salgado, que considera que a tributação sobre bónus e rendimentos variáveis de administradores e gestores pode levar a que “gente muito valiosa” abandone Portugal para trabalhar noutro país.
As bandeiras cheias de fantasmas fazem lembrar os piratas. Será que Salgado deu em pirata?
Azevedo e Salgado, duas faces da mesma grandeza de Portugal: oportunismo.

27 janeiro 2010

Diopatra micrura, o novo verme marinho


De cor acastanhada, o verme tem à volta de seis centímetros de comprimento. Cinco antenas com umas riscas azuis servem de órgãos sensoriais, que detectam substâncias químicas no ambiente e funcionam também como sensores tácteis.
Ao longo de parte do corpo, apresenta uns esporos que se assemelham a árvores, os órgãos de respiração (as brânquias).
Este verme foi encontrado pela bióloga Adília Pires num dos braços principais da ria de Aveiro – o canal de Mira.
Até há pouco, apenas se conhecia um primo deste verme marinho na Europa, o Diopatra neapolitana, identificado em meados do século XIX, e conhecido pelo seu interesse económico, pois é vendido como isco na pesca. Desempenha um papel ecológico importante na cadeia alimentar: aves, peixes e outros animais comem-no. Na zona da ria de Aveiro, chamam-lhe “casulo”, porque constrói um tubo e vive dentro dele. Esse tubo é fabricado através do muco segregado pelo animal, ao qual aderem partículas de sedimentos, pedaços de conchas, algas, entre outras coisas. O tubo não se mexe, pois encontra-se preso ao chão. O animal sai dele para se alimentar.
O Diopatra micrura também constrói um tubo, só que um pouco mais pequeno.
Na mesma ria de Aveiro já os biólogos se tinham deparado com uma outra espécie de verme marinho, o Diopatra marocensis, até então apenas identificado na costa de Marrocos.

Fontes: 1, 2, 3

Para onde vai o dinheiro dos contribuintes?


Segundo o orçamento de 2010 vai em primeiro lugar para as Finanças (que leva quase 18 mil e 400 milhões de euros). Segue-se a Saúde, que fica com 9500 milhões. Ao ministério do Trabalho cabe-lhe quase 9 mil milhões. A Educação recebe 7275 milhões, sendo que parte disso é para obras, ou seja, deveria ter sido contabilizado na conta respectiva, que apenas recebe 413 milhões de euros. A Defesa e a Administração Interna recebem, respectivamente, 2440,5 milhões e 2016,2 milhões. À Justiça vão parar 1720,4 milhões, menos do que a Ciência que recebe 2559,7 milhões, mas mais do que a Agricultura, que tem direito a 1271,4 milhões.
A propaganda (Presidência do Conselho de Ministros) recebe mais do que a Cultura: 318,5 contra 236,3 milhões. O que mostra bem como este governo não descura o sector da informação (parte do bolo destina-se precisamente a encher os cofres de televisões, agências de publicidade, rádios, revistas e jornais).
Como diz Saldanha Sanches, o “Estado está recheado” de despesas supérfluas. E o que se faz para combater isso? “Foi-se para uma espécie de dieta geral, como alguém que tentasse emagrecer sem perder gordura”.

26 janeiro 2010

Achegas para o modernismo


Diz a notícia que «A ilustração foi o modo mais fácil para a entrada do modernismo em Portugal. A conclusão é da investigadora Theresa Lobo, que, ao longo de 20 anos, procedeu a um levantamento sobre ilustração portuguesa entre 1910 e 1940.»
No entanto, segundo se pode ler linhas abaixo, não foi bem assim. Diz-se que «os ilustradores portugueses recorreram muito aos magazines, aos jornais e aos cartazes. Estes suportes "eram imensos laboratórios, onde também realizaram as fórmulas de uma modernidade, que, dessa forma, penetrou lentamente na sociedade", refere a investigadora. Nesse sentido, " os magazines eram um campo de experimentação ideal para os novos ilustradores marcarem a sua estética".»
Ora o que se verifica é que os ilustradores, os artistas precisavam de sobreviver e os jornais, as revistas, os magazines foram o ganha-pão. Alguns, pelo seu talento, deixaram seguidores e contribuíram para divulgar o modernismo em Portugal. Mas será preciso ter em conta que Portugal viveu fechado ao mundo durante uma longa ditadura, o que impediu a livre circulação de pessoas e bens. Alguns, poucos, tinham oportunidade de sair do país ou de adquirirem informação proveniente de França.
Indiscutível é a aliança entre as melhores revistas literárias e um certo gosto gráfico. Mas sem objectos ricos como foi comum em França, na Bélgica, na Suíça e noutros países europeus.
Portugal não tinha nem uma burguesia culta nem uma classe média suficientemente letrada para voos maiores.
O modernismo foi coisa de minorias e ainda hoje perdura na sociedade portuguesa um entendimento das artes onde se mistura o naturalismo com o neo-realismo, caldeados com uns laivos de surrealismo serôdio, que configura um caldo requentado que torna difícil a vida a quantos procuram criar. Caldo que o Estado Novo divulgou com fervor, juntamente com o sector intelectual da altura do Partido Comunista.
A pouco e pouco as coisas foram mudando, mais pelo lado da literatura do que das artes plásticas, embora um ou outro nome tenha começado a marcar a diferença.

25 janeiro 2010

Falhas da medicina

Em muitos aspectos, a medicina é um jogo de possibilidades. Jogo que, nas mãos da indústria farmacêutica, permite encaixes de muitos milhões. Se a isso lhe associarmos medos primários e manipulação da opinião pública, temos o caldo ideal para o embuste perfeito.
Há quem grite aqui d'el-rei há muito. Há quem insista, depois de verificado o exagero, num escândalo. O presidente da comissão de Saúde da assembleia parlamentar do Conselho da Europa, Wolfgang Wodarg, considerou que no caso da gripe A se assistiu "ao maior escândalo médico do século" e acusou a OMS de ter "relações impróprias" com as empresas do sector farmacêutico. Na sua opinião, o alarme era escusado o e custou muito dinheiro aos governos - só na Europa, foram gastos 5 mil milhões de euros com as vacinas, nota, acrescentando que este investimento resultou da pressão da indústria farmacêutica.
Os governos abriram os cordões à bolsa para mostrar à população dos seus países que estavam empenhados em cuidar da saúde pública. O problema é terem gasto quantias exorbitantes com algo que se revelou um flop. Só em Portugal, os impactos financeiros directos da gripe A nos custos do Estado português ascendiam, em Outubro passado, a 67,5 milhões de euros com a compra de vacinas. Por apurar estão ainda os custos indirectos (perdas em IRS, as contribuições para a Segurança Social e subsídio de doença), dependendo da evolução da pandemia, mas um estudo efectuado pela Deloitte, em colaboração com a Intelligent Life Solutions, refere que os custos para o Estado estão estimados em 330 a 500 milhões de euros. Se se contar com o absentismo laboral, a Deloitte estima que a gripe A poderá originar uma redução do Produto Interno Bruto (PIB) nacional entre os 0,3 e os 0,45 por cento, ou seja, entre os 490 e os 740 milhões de euros.

24 janeiro 2010

Angola, Angola


Segundo a Organização pela Transparência Internacional, a República angolana faz parte da lista dos 18 países mais corruptos do mundo.
Nos países corruptos, a manutenção do poder faz-se a todo o custo. Angola resolveu o assunto de um modo simples, para fazer de conta que é um país democrático: «O parlamento angolano aprovou ontem uma nova Constituição que vai acabar com as eleições directas para o cargo do presidente de Angola. O novo texto entra em vigor já em Março e prevê que o presidente do país passe a acumular funções de chefe de Estado e de governo, congregando na sua figura a totalidade do poder executivo.»
Ou seja, a nova Constituição angolana garante liderança vitalícia a José Eduardo dos Santos e aumenta-lhe os poderes.
Angola mantém-se no ranking dos países com menor índice de desenvolvimento humano, mas denuncia um dos maiores níveis de crescimento económico do mundo. Quase imune à crise mundial, prevê-se que o país cresça 6,5% este ano, acelerando até 8,7% em 2011, adianta o Banco Mundial.
O crescimento económico, claro, vai parar aos bolsos de meia dúzia. De resto, cerca de 116 mil pessoas morrem anualmente em Angola devido às más condições ambientais, principalmente da água e ar, de acordo com um estudo divulgado nesta quarta-feira pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Isto para não falarmos das centenas de pessoas que continuam a morrer de fome por dia. Entretanto, alguns sorriem...

23 janeiro 2010

Sexo e poesia


Com o título Sexo na rua: onde é que eles têm a cabeça? pode ler-se no i-online uma breve reportagem sobre quem gosta de ter relações sexuais no cinema, em vestiários de lojas, em parques de estacionamento, em transportes públicos e noutros lugares públicos. O que me fez recordar um poema que LP traduziu e postou por estes dias no seu Do trapézio, sem rede e que transcrevemos com a devida vénia. Às vezes, a vida e a poesia espelham-se. Às vezes, a poesia é apenas um vazio imenso, que procura transformar a língua numa matéria viscosa, afim da merda. Infelizmente, quer por cá, quer em muitos outros países há quem entenda a poesia como puro experimentalismo, assim algo afim do onanismo. Nós por cá preferimos outro tipo de prazeres.

Encontro na cidade

Eles estavam a defecar em público, disse ele,
e outro disse,
e a copular também,
e eu pensei, quantos, mil?
Todos os sem-abrigo estavam a coupular em público? Que espectáculo.
Então alguém disse,
não eram todos os sem-abrigo,
e nós pudemos respirar melhor,
só uns quinze, se tantos, e eu pensei
que mesmo assim eram uns quantos para fazerem aquilo em público,
mas quando já estávamos no fim
parecia
que só tinha sido uma de cada:
uma cópula, uma defecação,
e então alguém acabou por dizer,
não é preciso ser um sem-abrigo para se fazer isso.

Poema de Doug Anderson, traduzido por LP, a partir de original reproduzido em Poetry like Bread, poets of the political imagination, selecção de Martín Espada, Curbstone Press, 4ª edição, 2007, p. 42).

Walton Ford





Sorte grande

Detido sob acusação de esfaqueamento, o homem pensou que os deuses são, de facto, doidos. Estava ele na esquadra quando viu que estava milionário. Tinha-lhe acabado de sair o euromilhões. Milionário é uma forma de dizer, pois a ele apenas lhe coube um prémio de seis mil euros. Mas para quem acabara de assaltar um empresário, a fim de lhe sacar uma pasta com dinheiro e cheques, a coisa soou-lhe a piada. A história real pode ser lida aqui.


22 janeiro 2010

Joaquim Manuel Magalhães

Teorias Literárias

3

O poeta era brasileiro e de turismo.
Na meia língua dos dois ensaboou-me
com um baião de galanteria .
Loas de grasnar a tolo e, é claro, o
talmente verdade a sua ladainha.

Emplumei-me de rubores a consentir
tudo o que requeria: introduções,
selecções, montras de livraria. Um festim
de recalques borbulhava compensado:
«Faça o que quiser. A sei eu autorizo.»

O brasileiro resfolegava de elogios.
Ganhara as férias, tinha pronta a lista
da antologia e mesmo em editora de segunda
já palmara em troca agradecida um
piqueno florilégio luso de versos seus.

Aviões passavam para bem mais longe
às seis da tarde desse dia.
Calcados pela vigarice, no super
mercado de abraços, esgueirámo-nos
cada um para a sua maravilha.

[in Alguns livros reunidos, Contexto, 1987, pág. 117]

Jorge de Sena

«Ser um grande poeta»


Ser um grande poeta
morto e nacional
é atrair as moscas
como idiotas e
os idiotas como
moscas.

Ser um poeta medíocre
vivo e universal
é atrair os catedráticos
de literatura como
idiotas e moscas.

Ser um poeta apenas
nem vivo nem morto
ou nacional ou universal
é atrair apenas os poetas
como moscas idiotas.

Moralidade: não há saída.

Maio/1970

[in Visão Perpétua, edições 70, 1989, pág. 116]

21 janeiro 2010

A justiça em Portugal é uma farsa


«Infelizmente em Portugal existe o segredo de justiça para dar cobertura à negligência e incompetência e para fazer julgamentos na praça pública. É melhor acabar com essa farsa.»

O segredo de justiça «é uma farsa» que tem servido para «dar cobertura à negligência e à incompetência e para fazer julgamentos na praça pública.»

«a divulgação de conteúdos em segredo de justiça serve para criar alarme social para efeitos processuais e é instrumento para criar juízos de culpabilidade na opinião pública.»

Marinho Pinto, bastonário da Ordem dos Advogados

Fonte 1 e 2

A saúde em Portugal é um luxo


Há muita gente que gasta mensalmente fortunas em medicamentos. Mas não são essas que usam a net para adquirir a posologia necessária ao seu bem-estar.
Recorre à net quem a domina e sabe onde procurar ou os que se deixam seduzir pelos anúncios que aparecem nos motores de pesquisa, disfarçados de informação (o que ajuda a perceber o grande negócio que é o Google).
Mas nem por isso deixa de se colocar a questão de os remédios serem abusivamente caros para a grande maioria dos cidadão portugueses. Aliás, a saúde é, em geral, coisa para os ricos, pois apenas os ricos podem pagar médicos privados, clínicas, exames (TACs, endoscopias, ecografias, etc.) e tratamentos em tempo útil. O resto da população sobrevive ao ritmo dos prazos alargados de marcação de consultas, a clínicos gerais apressados, a muitas horas passadas em filas de espera, em triagens e noutras quantas peripécias que procuram conferir ao atendimento uma aparência de funcionalidade.
A ideia geral é, claro, a de que a medicina funciona mal e é cara. Quem pode, tenta contorná-la recorrendo à net, onde abundam os sítios com informação médica (verdadeira? falsa? perigosa?).
A saúde é um grande negócio em qualquer parte do mundo. E se já não há tanta gente a acreditar em feiticeiros, muitos haverá que ainda olham para o médico como um primo afastado, capaz de resolver tudo só por ter o paciente diante de si.
O papel paliativo e mágico da net surge aos olhos de uns quantos como uma boa alternativa às consultas onerosas, excessivamente rápidas e aborrecidas dos consultórios ou clínicas das especialidades. Além disso, algumas pessoas ficam embaraçadas em ter que expor os seus problemas a um estranho. Não espanta que cerca de 46 por cento dos medicamentos comprados online se destinem ao emagrecimento ou que 16,7 por cento sejam anti-depressivos. Ou que haja procura de medicamentos para aumentar a massa muscular (15 por cento), dos que se destinam a curar a disfunção eréctil (seis por cento) ou dos destinados às doenças do foro oncológico (quatro por cento).

20 janeiro 2010

Infantilidades do mundo moderno


Há milhares que sofrem de disfunção eréctil. Outros, estão bem. Tão bem que sofrem... por ser figuras públicas. Que o diga o golfista norte-americano, Tiger Woods, internado numa clínica especializada na cura da "adicção sexual", de Hattiesburg, Mississippi.
Inventam-se adições como quem inventa novas funcionalidades informáticas: para fazer negócio. O problema, estamos em crer, é a diferença entre o homem e a máquina. Um dia, estas manias de agora afectar-nos-ão a todos. O que será uma grande oportunidade de negócio para psicólogos e clínicos. Mas convém não esquecer que a fertilidade nos países desenvolvidos está em acentuado declínio e que a eugenia é um assunto muito perigoso (pelo menos, ao tempo dos nazis era; se calhar agora, com o selo das clínicas especializadas, já deixou de ser).

19 janeiro 2010

Dayanita Singh




Manuel de Freitas

Fortinbras says


Que estão nus, não valem nada
os poetas aclamados pela plebe
- o que é, infelizmente, verdade.

Que já vai sendo hora de bebermos
juntos um Jim Beam Black
- o que é, de outra maneira, verdade.

Que a canalha crítica, académica,
jornaleira ou mediática muito dificilmente
se consegue furtar ao grande peido geral.

E é verdade, também,

que morreram príncipes e princesas,
que já não há palavras
no reino deserto das palavras.

É tudo tão verdade, Fortinbras,
que nos apaetece mentir com dignidade,
espancar sem decoro as bestas que progridem.

E esquecer, de vez, que a vida
é um riso inútil,
sem máscara nem chicote.

Morre apenas, a vida,
torna-se verdadeiramente extinta,
insinuando, em cada grito, o silêncio
de que já não fomos capazes.

[in "Telhados de Vidro", nº. 13, págs. 31-32]

18 janeiro 2010

Abraçados para a eternidade


No Campo de Hockey de San Fernando (Cádiz), houve lugar a um achado arqueológico pouco comum: dois esqueletos abraçados há seis mil anos, frente a frente, com os membros inferiores e superiores entrelaçados, no que se designa como motivo dos namorados.
Há três anos, em Itália, um grupo de arqueólogos italianos descobriu na cidade de Mântua uma sepultura com dois esqueletos abraçados, que dataram de há mais de seis mil anos. Pelas ossadas concluiu-se que o par era ainda jovem. Ao achado denominaram-no "Os amantes de Valardo".
No caso do achado espanhol, estamos em presença de um esqueleto de uma rapariga à roda dos 12 anos e do esqueleto de um adulto (ainda não se determinou o género) entre os 35 e os 40 anos. Tanto pode ser um casal como uma dupla parental ou maternal, já que ambas as hipóteses encaixam nas vivências da época (neolítico).

Fonte: ABC

17 janeiro 2010

Luis García Montero

V

Tú me llamas, amor, yo cojo un taxi,
cruzo la desmedida realidad
de febrero por verte,
el mundo transitorio que me ofrece
un asiento de atrás,
su refugiada bóveda de sueños,
luces intermitentes como conversaciones,
letreros encendidos en la brisa,
que no son el destino,
pero que están escritos encima de nosotros.

Ya sé que tus palabras no tendrán
ese tono lujoso, que los aires
inquietos de tu pelo
guardarán la nostalgia artificial
del sótano sin luz donde me esperas,
y que, por fin, mañana
al despertarte,
entre olvidos a medias y detalles
sacados de contexto,
tendrás piedad o miedo de ti misma,
vergüenza o dignidad, incertidumbre
y acaso el lujurioso malestar,
el golpe que nos dejan
las historias contadas una noche de insomnio.

Pero también sabemos que sería
peor y más costoso
llevárselas a casa, no esconder su cadáver
en el humo de un bar.

Yo vengo sin idiomas desde mi soledad,
y sin idiomas voy hacia la tuya.
No hay nada que decir,
pero supongo
que hablaremos desnudos sobre esto,
algo después, quitándole importancia,
avivando los ritmos del pasado,
las cosas que están lejos
y que ya no nos duelen.

[in Diario cómplice, Hiperión, 1987]

Luis Alberto de Cuenca

Mal de Ausencia

Desde que tu te fuiste, no sabes quê despacio
pasa el tiempo en Madrid. He visto una película
que ha terminado apenas hace un siglo.
No sabes quê lento corre el mundo sin ti, novia lejana.

Mis amigos me dicen que vuelva a ser el mismo,
que pudre el corazón tanta melancolía,
que tu ausencia no vale tanta ansiedad inútil,
que parezco un ejemplo de subliteratura.

Pero tu te has llevado mi paz en tu maleta,
los hilos del telefono, la calle en a que vivo.
Tú has mandado a mi casa tropas ecologistas
a saquear mi alma contaminada y triste.

Y, para colmo, sigo soñando con gigantes
y contigo, desnuda, besándoles las manos.
Con dioses a caballo que destruyen Europa
y cautiva te guardan hasta que yo esté muerto.

[in Los mundos y los días. Poesía 1972-1998, Visor, pág. 132]

Voy a escribir un libro

Voy a escribir un libro que hable de las (poquísimas)
mujeres de mi vida. De mi primera novia,
que me enseñó el amor y las puertas secretas
del cielo y del infierno; de Isabel, que se fue
al país de los sueños con el pequeño Nemo,
porque aquí lo pasaba fatal; de Margarita,
recordando unos jeans blancos y unos lunares
estratégicamente dispuestos; de Ginebra,
que dejó a Lanzarote plantado por mi culpa
y fundó una familia respetable a mi costa;
de Susana, que sigue tan guapa como entonces;
de Macarena, un dulce que me amargó la vida
dos veranos enteros; de Carmen, que era bruja
y veía el futuro con ojos de muchacho;
de la red que guardaba los cabellos de Paula
cuando me enamore de su melancolía;
de Arancha, de Paloma, de Marta y de Teresa;
de sus besos, que izaron la bandera del triunfo
sobre la negra muerte, y también de su helado
desdén, que recluyó tantas veces mi espíritu
en la triste mazmorra de la desesperanza.
Voy a escribir un libro que hable de las mujeres
que han escrito mi vida.

[in Los mundos y los días. Poesía 1972-1998, Visor, pág. 281]

Cuando vivías en la Castellana

Cuando vivías en la Castellana
usabas un perfume tan amargo
que mis manos sufrían al rozarte
y se me ahogaban de melancolía.
Si íbamos a cenar, o si las gordas
daban alguna fiesta, tu perfume
lo echaba a perder todo. No sé dónde
compraste aquel extracto de tragedia,
aquel ácido aroma de martirio.
Lo que sé es que lo huelo todavía
cuando paseo por la Castellana
muerto de amor, junto al antiguo hipódromo,
y me sigue matando su veneno.

[in Los mundos y los días. Poesía 1972-1998, Visor, pág. 114]

Amor fou

Los reyes se enamoran de sus hijas más jóvenes.
Lo deciden un día, mientras los cortesanos
discutensobre el rito de alguna ceremonia
que se olvidó y que debe regresar del olvido.
Los reyes se enamoran de sus hijas, las aman
con látigos de hielo, posesivos, feroces,
obscenos y terribles, agonizantes, locos.
Para que nadie pueda desposarlas, plantean
enigmas insolubles a cuantos pretendientes
aspiran a la mano de las princesas. Nunca
se vieron tantos príncipes degollados en vano.

Los reyes se aniquilan con sus hijas más jóvenes,
se rompen, se destrozan cada noche en la cama.
De día, ellas se alejan en las naves del sueño
y ellos dictan las leyes, solemnes y sombríos.

[in Los mundos y los días. Poesía 1972-1998, Visor, pág. 79]

16 janeiro 2010

Aguarelas de Emanuel Bernstone


Para que serve uma fundação?


Era uma vez um poeta. Arranjaram-lhe uma casa com vista para o mar, criaram-lhe uma fundação, deixaram-no viver sossegado (mais ou menos) durante os últimos anos da sua vida. Agora, os imbróglios da coisa vêm ao de cima.
O problema, como é da praxe, são os negócios. Negócios onde talvez houvesse mais olhos que barriga. Por exemplo o da edição dos livros do poeta na Quasi. A editora faliu. E a Fundação perdeu dinheiro por causa disso. Acontece. Se a Fundação era a editora, por vontade do poeta, por que raio haviam de ter passado a edição à Quasi? O editor da Quasi pouco mais era do que um oportunista de meia tigela, além de manifestamente ser semi-analfabeto.
Para ver o quadro geral, dar um passeio por aqui e por aqui.

14 janeiro 2010

Várzea da Rainha Impressores


O negócio dos livros tem nichos por explorar. Zita Seabra, servindo-se de programas comunitários, tenta partir na linha da frente e assegurar o seu negócio: "é possível editar poucos exemplares a custos mais baratos". "Actualmente, o custo de 100 exemplares é igual ao custo de mil".
Além de livros, a cores ou a preto e branco, o novo equipamento imprime cartazes, cartões de visita, teses de doutoramento ou mestrado e catálogos de exposições de leilões. "A edição é o nosso mercado principal, mas também aquilo a que chamamos dados variáveis, ou seja, impressão de facturas de água, luz, gás e bancos, entre outros".
Não importa o que se edita, apenas corresponder aos anseios dos clientes. A edição não está moribunda, confirma que foi e é um negócio e que taxas especiais de IVA e outras deveriam acabar. Apenas a edição de obras científicas e de certos géneros literários deveriam beneficiar dessas benesses. Senão, está-se a enganar o consumidor.
A VRI é uma empresa de Print on Demand que sabe haver muita gente a sonhar com ter um livro publicado. E que sabe outras coisas. Importa que o Estado também saiba promover o livro e deixar de dar apoios directa ou indirectamente a coisas cuja vocação nada tem de cultural, embora viva à sombra desse prestígio.

Fonte: JN

13 janeiro 2010

Memórias de visitas






Dura lex sed lex


Sal Esposito foi convocado por um tribunal de Boston para ali comparecer na qualidade de jurado. Acontece que Sal Esposito é um animal de estimação, um gato. Como vive em casa dos Esposito, a dona, aquando de um recenseamento, inscreveu-o como membro da família.
Os gatos, bem como outros animais de estimação, são membros de muitas famílias. E nem vale a pena dizer que são tratados como príncipes.
O pior é quando acontecem estes imbróglios. Anna Esposito, a dona de Sal, pediu que o seu gato fosse dispensado de ter de se apresentar em tribunal como jurado, alegando que não o podia fazer já que não falava inglês. O pedido foi negado.
Podem ver toda a história aqui. E aqui.

12 janeiro 2010

Amores tardios


O amor sempre foi perigoso. Refractário, ilegal, proibido, escandaloso, jocoso - vários adjectivos se lhe colam para descrever os perigos da paixão, do amor assolapado.
Muitas pessoas passam a vida atrás do amor. Outras tropeçam nele e deixam-se levar pela tempestade. Outras ainda fogem, com medo de perderem a cabeça.
O amor não olha a credos, idades, cores de pele nem a outros pormenores. Embora tudo isso influencie, e de que maneira, a tomada de posição de alguns amadores. Já os amantes sabem que o amor é tirano, quando chega exige tudo e não se interessa por mais nada que não seja a satisfação, o prazer, o encantamento.
Que o diga Iris Robinson, mulher do chefe do governo autónomo da Irlanda do Norte, deputada em Westminster e na Assembleia de Ulster, famosa pela sua personalidade e tendência em apelar para a Bíblia, num extremismo e puritanismo que agora se voltam contra ela.
Em 2008, caiu de amores por um rapaz de 19 anos, Kirk McCambley. Iris disse que se aproximou de McCambley para o ajudar a recuperar da morte do pai e que a relação se foi tornando mais séria com o tempo. Tão séria que a deputada do DUP arriscou não só o casamento, mas também o seu lugar na política para facilitar a vida ao namorado. Além disso, a mulher do primeiro-ministro Peter Robinson vê-se acusada de manipular um concurso público, em 2008, colocando o amante como o único candidato a reunir todos os requisitos para assumir a gerência de um café num parque municipal de Belfast. E de ter convencido dois promotores imobiliários da cidade a atribuir 50 mil libras (55,7 mil euros) para o namorado abrir o estabelecimento comercial numa das mais caras zonas da cidade.
A trapalhada é de tal ordem que Peter Robinson se viu obrigado a auto-suspender de funções para dar apoio à família. A família sempre teve esta função, de defender os indivíduos dos ataques de fora, mesmo quando os ataques vêm de dentro. E numa família que se alimenta publicamente do seu fundamentalismo religioso, o divórcio é proibido.
O extremismo religioso tem dessas coisas. E mostra como entre o blá blá da moralzinha e as pulsões do corpo, este sai sempre vencedor - Freud ganhou fama a falar do assunto.

11 janeiro 2010

Podem chamar-me Roxxxy


Oi, cara. Sou a Roxxxy e tenho um corpo de modelo - 174 cm e 54,5 quilogramas - e pele sintética que se assemelha à de uma mulher. Falo de futebol e de carros. O tamanho dos meus seios e a cor de cabelo é a que você desejar. Sou uma boneca insuflável, a que chamam o primeiro robô do sexo. Ouço, falo, reajo ao toque e chego mesmo a ter orgasmos (artificiais, claro, cara).
Não posso aspirar nem sei cozinhar, mas de resto posso fazer quase tudo, se é que me faço entender. Tenho um esqueleto articulado, que me permite fazer movimentos como uma mulher de carne e osso e até tenho um coração artificial que... bombeia um líquido refrigerante.
Contigo posso "conversar" do que você mais gosta. Através da internet posso fazer actualizações do software, solicitar apoio técnico e mandar emails ao meu mais-que-tudo lá de casa.
Meu papai é o inventor, Douglas Hine, engenheiro da área da inteligência artificial. Que diz: "É uma companhia. Tem personalidade. Ouve, toma atenção, fala. Sente o toque e dorme. Estamos a tentar replicar a personalidade de uma pessoa".


Éric Rohmer (1920-2010)

Morreu o realizador francês. Tinha 89 anos.
Figura da Nova Vaga do cinema gaulês, colaborou nos «Cahiers du Cinema» entre 1957 e 1963 e notabilizou-se por filmes como «Ma nuit chez Maud» e os Contos das quatro estações (Outono, de 1998; Verão, de 1996; Inverno, de 1991 e Primavera, de 1990).

09 janeiro 2010

Prémio de comportamento


José Sócrates, assinou ontem um despacho em que nomeia Maria de Lurdes Rodrigues para o cargo de presidente da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD).
O prémio é compreensível: Marilu cumpriu o objectivo de Sócrates, demonizar os professores, mostrando que a educação é uma coisa inútil se não alinhar pela bitola de propaganda do governo.
A senhora foi exemplar e conseguiu aguentar o embate sem ter de passar pelo psiquiatra. A sua cultura de esquerda deve ter sido muito útil.
A FLAD, que em tempos foi uma espécie de segunda Gulbenkian, vive há mais de uma década discretamente, à custa dos acordos da Base das Lajes. Teve um papel importante na divulgação e apoio das artes plásticas e de alguns projectos de investigação científica.
Com Marilu à frente da instituição, dado o seu profundo conhecimento da área, confirma-se a menoridade da FLAD, cada vez mais um bom tacho para meia dúzia de nadas.

07 janeiro 2010

Programa de Bolsas para Criação Artística dos Açores

Nos Açores acontecem coisas estranhas. Em Outubro de 2009, o governo regional criou, através da presidência, o Programa de Bolsas para Criação Artística. Os termos da coisa constam do despacho n.º 1134/2009, de 29 de Outubro de 2009.
A redacção do dito cujo tem aspectos peculiares, que enformam de vícios colturais muito em voga nos dias que correm e que confirmam o quanto a cultura estatal se aproxima da propaganda.
Diz-se, em jeito de preâmbulo que "O objecto do Regulamento do Programa de Bolsas para a Criação Artística é fomentar, no âmbito regional, o desenvolvimento de projectos individuais de criação e de pesquisa de linguagens nas áreas artísticas, criando condições materiais para que artistas e profissionais residentes nos Açores desenvolvam e produzam obras inéditas e de qualidade, ampliando a produção e a difusão das Artes." São contempladas as seguintes áreas: Artes Visuais, Criação Literária, Dança (Coreografia), Dramaturgia, Fotografia, Música (Composição Erudita) e Música (Composição para Bandas Filarmónicas).
Vejamos o caso da criação literária. Diz o texto "Desenvolvimento de projecto de criação literária individual nos seguintes géneros narrativos: contos, novela ou romance - , que resulte numa obra ou num conjunto de pequenas obras (série ou colecção), destinado a público juvenil ou a público adulto, com conteúdo de ficção baseado em factos históricos, personagens verídicas ou lendas, originárias na história ou imaginário imaterial açorianos, resultando em obras inéditas para publicação."
Primeiro reparo, a poesia fica esquecida. Porquê? A gente olha para os grandes nomes da literatura "açoriana" e só encontra poetas: Roberto de Mesquita, Antero de Quental, Armando Cortes Rodrigues, Vitorino Nemésio, Pedro da Silveira, Natália Correia, Emanuel Félix (para só nos referirmos aos mortos). Mas para quem andou às voltas com a redacção do dito despacho, a poesia pareceu-lhes coisa de somenos. Quiçá por ignorância?
Segundo reparo, em nenhuma das outras áreas a sanha dirigista alcança os requintes alcançados na criação literária. No entendimento do legislador, a literatura só é válida quando afim do folclore? Ou quando limitada a um entendimento neo-socialista da literatura? Ou será que o legislador, secreto admirador dos pastiches de Dan Brown e afins, desconhece que a criação literária se orienta pelas mesmas regras das outras artes? (Não se vê o pedido de criação e composição inédita em Música Erudita com temática histórica açoriana; tão-pouco se faz o mesmo pedido em relação à Dramaturgia ou à Fotografia - e a história mostra que o romantismo, época da criação do folclore, contaminou essas expressões artísticas).
Não será possível encontrar um discurso urbano e contemporâneo nos Açores?
Enfim, trapalhadas, para não dizer idiotices governamentais, que mais fazem lembrar os dislates do Estado Novo do que um governo democrático dos nossos dias.
Gabriela Canavilhas foi a responsável pela coisa. Carlos César foi e é, pois assinou-a e vem da Presidência toda a trapalhada.
Esperemos que o novo titular da Direcção Regional da Cultura, Jorge Bruno, possa reparar algo que ainda não começou e já cheira mal.

Pharrell Williams e a Perspective



Pharrell Williams, também conhecido como Skateboard P, é músico e o produtor que está por detrás de um bom número de êxitos de Britney Spears, Madonna, Mariah Carey, Janet Jackson, Snoop Dogg, Gwen Stefani, Nelly Furtado ou Justin Timberlake, entre outros.
Mas nem só de música vive o homem, por isso, resolveu dar uma perninha no design. E aí está a cadeira Perspective, criada em colaboração com a Domeau & Pérès, que se encarregou da produção.
A cadeira representa o amor entre um homem e uma mulher, dispõe de poucas cores (ver imagem) e terá produção limitada.

06 janeiro 2010

Fernando Ulrich

A Refer lidera a tabela das empresas com maiores compromissos adicionais, calculados pelos economistas do BPI, dentro do Sector Empresarial do Estado (SEE), com um peso de 26 por cento, correspondente a quase nove mil milhões de euros, com os transportes a dominarem a lista.
Segue-se o Metro de Lisboa (16,8 por cento, perto de 5,5 mil milhões de euros), o Parque Escolar (13,6 por cento, cerca de 4,5 mil milhões de euros), a Comboios de Portugal - CP (11 por cento, sensivelmente 3,8 mil milhões de euros), os Hospitais EPE (8,2 por cento, quase três mil milhões de euros), o Metro do Porto (7,5 por cento, 2,5 mil milhões de euros), a Empresa de Desenvolvimento e Infra-estruturas do Alqueva - EDIA (3,8 por cento, cerca de 1,2 mil milhões de euros), a Estradas de Portugal (2,8 por cento, quase mil milhões de euros), a RTP (2,7 por cento, perto de mil milhões de euros) e a Carris (1,8 por cento, cerca de 600 milhões de euros).
Os restantes 5,2 por cento estão repartidos pelas outras 25 empresas incluídas no estudo do BPI - entre as previsivelmente sustentáveis e as previsivelmente não sustentáveis.
Reconheço o papel social dos transportes públicos, mas faz-me um bocado impressão a dimensão que têm as responsabilidades actuais e futuras” das empresas, disse. “Choca-me que os dez milhões de portugueses tenham de gastar tanto para tão pouco. Será que houve má gestão e desperdício? Os números são tão grandes que me fazem impressão.

Paleio e mais paleio, de resto nada


É verdade, fica bem gastar uns milhares em publicidade para promover a natalidade. Mas já quando se trata de a proteger, o caso muda de figura.
Isto para não falarmos de uma tara comum aos governantes, seja qual for o partido ou o país. Gastam-se milhões do erário público em publicidade, em apoios aos ricos, em obras megalómanas, mas quando se trata de salários, o erário público sofre de urticária e coça-se tanto que seca.
Tanto faz que sejam trabalhadoras da TAP como quaisquer outros funcionários do Estado ou de empresas controladas pelo Estado.
"José Sócrates concordou com a opção da TAP de não pagar prémios de desempenho às dez trabalhadoras que estiveram de baixa por maternidade em 2007. A empresa defendeu que, como as 10 empregadas estiveram ausentes, não cumpriram os mínimos de trabalho para ter prémios, justificando a decisão com o Acordo de Empresa (AE)." [ i ]

05 janeiro 2010

Vale sempre a pena comparar


Grande parte dos lugares comuns de agora foram forjados entre o século XIX e o século XX. A coisa é particularmente exemplar no que respeita ao discurso social e político. Veja-se o que dizia Ramalho Ortigão há mais de um século, falando do Portugal da época: "A indisciplina geral, o progressivo rebaixamento dos caracteres, a desqualificação do mérito, o descomedimento das ambições, o espírito de insubordinação, a decadência mental da imprensa, a pusilanimidade da opinião, o rareamento dos homens modelares, o abastardamento das letras, a anarquia da arte, o desgosto do trabalho, a irreligião, e, finalmente, a pavorosa inconsciência do povo."
Muitos cairão na tentação de ler estas palavras como se fora um retrato do presente. Quando nem sequer são um retrato da época. Apenas a opinião inflamada de um autor dotado e zangado com o país.
O tom azedo e caricatural com que Ortigão fala diz muito dele próprio e da conta em que se tinha. Elevada, claro, acima da choldra infecta. O problema é que a suposta choldra era apenas e tão-só a choldra de um classe dirigente mal formada, gulosa, pouco apta a perceber o mundo à sua volta, embora fosse endinheirada e gozasse de boa vida.
O problema era que, como diz, Maria Alice Samara, investigadora do Instituto de História Contemporânea (IHC) da Universidade Nova de Lisboa e especialista na Primeira República: "Tal como julgavam os republicanos, assistiu-se a um abastardamento do regime liberal. Os homens que estavam no Governo não representavam o povo, eram criaturas do rei. O ambiente de crise permite aos republicanos a apresentação de uma resposta nova, de uma regeneração, que é também feita com outras sensibilidades políticas"(Público).
Os republicanos foram muito hábeis e veicularam ideias. Ideias que colhiam cada vez mais adeptos e venceram. Mas, como se viu depois, os problemas mantiveram-se, apesar de muitas boas obras. E mantiveram-se porque a classe empresarial e dirigente continuou igual a si mesma: medíocre.

A educação para que serve?


A educação é um termo vago, embora muitos o leiam como sinónimo de escola. Se a escola trata disso, eu tenho outras coisas para fazer. Os suíços são muito claros: Os fracos resultados escolares das crianças portuguesas devem-se "ao desinteresse total dos pais em acompanhar" a educação dos filhos e à "origem sócio-cultural modesta".
Mesmo que as generalizações possam fazer esquecer excepções, a norma é essa, lá fora ou cá dentro.
Os portugueses revêm-se muito nos contos de fadas. Acreditam que há um príncipe encantado que os vais resgatar da miséria. O número de apostadores no euromilhões (outrora no tolobola e depois no totoloto) é sintomático.
E se pensarmos na americanização do pequeno écrã, que mais é mostrado à população televisiva? Todo o idiota supostamente endinheirado é quase um deus por cá. As revistas de maior sucesso são aquelas que mostram os endinheirados. Espanha é outro exemplo. E lá como cá a educação pública anda pelas ruas da amargura.

04 janeiro 2010

Lhasa de Sela (1972-2010)



A sacrossanta mania do sucesso


Por terras lusas há muito boa gente a acreditar que sem ovos se fazem omeletas. E a coisa está de tal maneira que os responsáveis políticos pela educação querem à viva força sucesso. Nem que para isso tenham de aldrabar tudo. O importante é o sucesso, são as estatísticas.
O termo sucesso, desde que foi vulgarizado ao tempo do santo Cavaco, afigura-se-me viscoso. Tão viscoso que quando aplicado à educação legitima disparates e abandalha aquilo que devia ser a preocupação do estado: a formação dos cidadãos.
O problema dos portugueses é, como sempre foi, a má formação das classes dirigentes (empresários, políticos, doutores e afins). É uma péssima relação com tudo o que tenha a ver com raciocínio e intelecto. E, como se não bastasse, os muitos anos de ditadura ainda nos afastaram mais de um patamar de equilíbrio que existe noutros países europeus. Não que não se tenha realizado um trabalho meritório em muitos aspectos da educação. Passámos de um país cheio de analfabetos para um país escolarizado. mas ainda vai demorar até que essa escolarização traga resultados substanciais, pois, enquanto a miséria for o pão nosso de cada dia, são poucos os que ascendem socialmente fruto do seu nível de escolaridade. E, muito mais grave, menos ainda os que ficam de facto apetrechados para ler o mundo que os rodeia.
Que um em cada quatro alunos que abandona a escola secundária no Luxemburgo seja português, segundo um estudo do Ministério da Educação daquele país, só mostra que a relação que os portugueses têm com a escola ainda está cheia de alçapões, de buracos negros, de medos, de falhas.
Hoje há o culto do corpo. E são muitos os que se preocupam com o exercício e com a indumentária. Mas são poucos os que sabem que o cérebro precisa de ser exercitado para dar frutos. Mesmo que esses frutos signifiquem uma substancial melhoria da qualidade de vida.
De resto, baixa escolaridade corresponde quase sempre a baixos salários e os empresários adoram mão-de-obra barata.

02 janeiro 2010

Desejos


Há coisas que todos pensam, mas ninguém diz? Não sei. Há coisas que tenho a vaga impressão de perceber, por já as ter sentido. Ou porque alguém que conheço me ter falado disso.
Assim, ao ler que "29,1% das mulheres britânicas acreditam que se voltassem a caber num velho par de calças de ganga, sentiriam mais prazer do que se tivessem sexo", sorri. Percebo-as bem. A imagem que temos de nós próprios é mais importante do que algo tão indefinido como o sexo.
As relações sexuais podem ser arrebatadoras, mas também podem ser insípidas. E as mulheres que preferiam voltar a caber nuns jeans revelam que andam mal consigo mesmas e, como tal, dificilmente devem dar prazer a alguém ou sentir-se à vontade para poderem usufruir de algo que à partida se diz que é bom.
São mulheres que nunca foram amadas pelo que realmente são e que sempre sucumbiram às imagens que outros criaram e disseram dever ser.
Para essas mulheres é importante que apareçam campanhas como a do fat pride, de revolta contra a ditadura da magreza, lutando pelo início de uma era em que gordura volta ser formosura.
Mas quem diz mulheres pode dizer homens, pois e cada vez maior o número de homens que sente a gordura como um obstáculo ao seu bem-estar psicológico. A cultura pop dominante serve-se de corpos altamente musculados e magros que os fazem sentir deslocados.
Estar deslocado do grupo in é, como se sabe, o pior que pode acontecer aos espíritos débeis. Isto se não pertencermos todos a esse grupo: pedindo aos carros, aos objectos, aos adereços que façam de penso rápido para o nosso vazio interior.