09 fevereiro 2010

Técnicas de controlo


De avaliação se falou muito por causa dos professores. Quem não é professor tem uma opinião. Quem é professor pensa de maneira quase oposta. É um bocado como botar faladura sobre matemática sem se saber sequer as regras elementares da aritmética. A avaliação é hoje prática corrente no mundo empresarial e tem um propósito claro: controlar as pessoas, constrangê-las a fazer o que a empresa quer e poder descartá-las quando muito bem a empresa quiser. Sem custos económicos. O lado negro da coisa, é que o trabalho passa a ser um faz de conta permanente, sobretudo se se quiser sobreviver com o menor número de danos colaterais.

Christophe Dejours, psiquiatra, psicanalista e professor no Conservatoire National des Arts et Métiers, em Paris, dirige ali o Laboratório de Psicologia do Trabalho e da Acção, onde se estuda a relação entre trabalho e doença mental. Esteve em Portugal e disse:
«A avaliação individual é uma técnica extremamente poderosa que modificou totalmente o mundo do trabalho, porque pôs em concorrência os serviços, as empresas, as sucursais – e também os indivíduos. E se estiver associada quer a prémios ou promoções, quer a ameaças em relação à manutenção do emprego, isso gera o medo. (...) Muito rapidamente, as pessoas aprendem a sonegar informação, a fazer circular boatos e, aos poucos, todos os elos que existiam até aí – a atenção aos outros, a consideração, a ajuda mútua – acabam por ser destruídos. As pessoas já não se falam, já não olham umas para as outras. E quando uma delas é vítima de uma injustiça, quando é escolhida como alvo de um assédio, ninguém se mexe…»
Conta algumas histórias arrepiantes. Uma, a do modo como se formam os quadros superiores, preparando-os para cumprir os objectivos das empresas (mesmo que ilegais). Ensinam-lhes técnicas de assédio e constrangimento: «Há estágios para aprenderem essas técnicas [de assédio]. Posso contar, por exemplo, o caso de um estágio de formação em França em que, no início, cada um dos 15 participantes, todos eles quadros superiores, recebeu um gatinho. O estágio durou uma semana e, durante essa semana, cada participante tinha de tomar conta do seu gatinho. Como é óbvio, as pessoas afeiçoaram-se ao seu gato, cada um falava do seu gato durante as reuniões, etc.. E, no fim do estágio, o director do estágio deu a todos a ordem de… matar o seu gato.» Apenas uma mulher reagiu mal à dita ordem. Os outros 14 mataram os seus. A mulher não conseguiu e teve de receber tratamento psicológico.

E os sindicatos?
«Penso que os sindicatos foram em parte destruídos pela evolução da organização do trabalho. Não se opuseram à introdução dos novos métodos de avaliação. Mesmo os trabalhadores sindicalizados viram-se presos numa dinâmica em que aceitaram compromissos com a direcção. Em França, a sindicalização diminuiu imenso – as pessoas já não acreditam nos sindicatos porque conhecem as suas práticas desleais.»

Vale a pena reflectir sobre o que este psiquiatra diz:

«Acontece que, quando se faz a avaliação individual do desempenho, está-se a querer avaliar algo, o trabalho, que não é possível avaliar de forma quantitativa, objectiva, através de medições. Portanto, o que está a ser medido na avaliação não é o trabalho. No melhor dos casos, está-se a medir o resultado do trabalho. Mas isso não é a mesma coisa. Não existe uma relação de proporcionalidade entre o trabalho e o resultado do trabalho.
É como se em vez de olhar para o conteúdo dos artigos de um jornalista, apenas se contasse o número de artigos que esse jornalista escreveu. Há quem escreva artigos todos os dias, mas enfim... é para contar que houve um acidente de viação ou outra coisa qualquer. Uma única entrevista, como esta por exemplo, demora muito mais tempo a escrever e, para fazer as coisas seriamente, vai implicar que o jornalista escreva entretanto menos artigos. Hoje em dia, julga-se os cientistas pelo número de artigos que publicam. Mas isso não reflecte o trabalho do cientista, que talvez esteja a fazer um trabalho difícil e não tenha publicado durante vários anos porque não conseguiu obter resultados.
Passados uns tempos, surgem queixas a dizer que a qualidade [da produção ou do serviço] está a degradar-se. Então, para além das avaliações, os gestores começam a controlar a qualidade e declaram como objectivo a “qualidade total”. Não conhecem os ofícios, mas vão definir pontos de controlo da qualidade. É verdadeiramente alucinante.»

A entrevista pode ser lida na íntegra aqui.

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