«O tiroteio no Bairro da Quinta da Fonte, em Loures, agitou o país (…)
As televisões mostraram imagens de um grupo de pessoas a avançar de pistolas e caçadeiras nas mãos, a virar uma esquina e depois a recuar. Tudo isto pontuado de gritos e sons de disparos que se destinavam a um outro grupo de pessoas, que estariam também armadas, mas que não surgem nos filmes. As pessoas que se vêem são ciganos e o outro grupo de pessoas envolvidas no tiroteio são pretos. O Bairro da Quinta da Fonte é, aliás, povoado por pretos e ciganos, que para ali foram deslocados há mais de dez anos, depois de terem sido despejados das barracas que ocupavam no Prior Velho, deixando esta zona livre para a remodelação urbana trazida pela construção da Expo'98.
Assim, foi depositado um conjunto de pessoas - maioritariamente ciganas e pretas e também alguns brancos hoje idosos - no novo bairro, que foi adaptado a bairro social depois de ter sido começado a construir como cooperativa de habitação, estatuto que têm ainda alguns blocos de prédios. Estes deslocados da Quinta da Fonte são, dez anos depois, a mesma comunidade pobre, ou melhor, cada vez mais pobre, que vive em noventa por cento do rendimento mínimo garantindo. Estamos perante o fim da linha social, perante os mais pobres dos mais pobres, o lumpen social. Estamos perante pessoas que estão destinadas a viver em condições sub-humanas. E que para sobreviver, no meio social a que estão condicionadas, recorrem às parcas ajudas do Estado e à criminalidade. Até porque perante a ausência de emprego, o crime é a alternativa profissional. (…)
O que está em causa no Bairro da Quinta da Fonte parece ser em última instância um problema de pobreza e exclusão extremas, que potencia as tensões próprias às ideias preconcebidas que cada etnia tem em relação a outra.
Os ciganos são portugueses, não são imigrantes. Os pretos nascidos em Portugal, mesmo quando filhos de imigrantes, são portugueses. Os ciganos resistem à aculturação, mas são perfeitamente integráveis e não são potenciais criminosos. Assim como os pretos que vivem em bairros pobres não são potenciais criminosos. Nem andam aos tiros uns aos outros. Basta olhar outras comunidades compostas por pretos e ciganos.
E é esse cuidado com o preconceito que deve estar bem presente no enfrentar desta questão. Para que não se caia em problemas de racismo ao quadrado e não nos tornemos ainda mais racistas ao querermos não o ser. A este propósito ficam duas questões: por que razão foram retirados ciganos do bairro e se aceitou como vítimas um dos lados do conflito, deixando os pretos num local agora mais guetizado? E se os deslocados fossem brancos e não ciganos estariam num pavilhão sem condições ou alojados em pensões?»
Sem comentários:
Enviar um comentário