01 março 2012

Da leitura: uma deriva

Ler é uma experiência intoxicante. Reler e ser surpreendido é algo tão intenso que se correm certos riscos.
Há quem leia para passar o tempo. Há quem leia por obrigação. Há quem não leia por opção, preguiça, falta de preparação. Há quem o faça com o mesmo princípio com que se ouvem ritmos fáceis, para entreter.
Ler e sair-se do mundo de certezas que se possui; ler e ver-se desassossegado é verdadeiramente viciante. Como uma droga. Ler é um vício caro. Porque exige ócio. Por isso, ler assim é algo que se abeira da insubordinação. Chega a ser associal e profundamente contra o negócio.
Ler num mundo todo ele virado para o negócio é criminoso. Um estado que "promove" a leitura é um estado infantil. Ler devora tudo. É anti-estatal.
Que ainda haja 300 leitores é qualquer coisa de extraordinário, mesmo que o universo seja de 8 milhões. Trezentos leitores são demasiados para um universo concentracionário.
E no entanto há mais de 300 leitores. Paradoxos que confirmam a impossibilidade de estabelecer qualquer programa de leitura.
A mim apetece-me dizer leiam e se quiser fotocopiem, fotografem, digitalizem os livros de Joaquim Manuel Magalhães anteriores a Um Toldo Vermelho. A este guardem-no numa vitrina e prestem-lhe a mesma cerimónia que se presta a um santo: ignorem-no. A ignorância é um modo de ler. E como dizia Álvaro Lapa, lendo descobre-se.

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