26 março 2012

Faces da mesma moeda

1 - Enquanto os franceses vivem uma época de ajustes, com o governo a aprovar medidas de contenção e planos de poupança orçamental, Nicolas Sarkozy não pode dizer que esteja a ser afectado. A sua fortuna aumentou mais de meio milhão de euros desde que subiu ao poder.

2 - O principal tesoureiro do Partido Conservador, Peter Cruddas, foi filmado por jornalistas do Sunday Times a propor acesso “de primeira linha” ao primeiro-ministro David Cameron por um financiamento partidário de 250 mil libras (quase 300 mil euros). E vai mais longe, garantindo que os encontros com David Cameron são bons para recolher “muita informação” e garante que fará chegar ao primeiro-ministro todas as sugestões: “Terão a oportunidade de lhe perguntar praticamente tudo o que quiserem”. Cameron, muito agastado com a notícia, nega obviamente que tal aconteça.

3 - Intervenientes dos confrontos de quinta-feira, no Chiado, garantem que as imagens de violência nas esplanadas foram registadas depois de uma primeira actuação da polícia. Já o ministro que tutela as polícias manifesta-se preocupado... com os jornalistas. "Aquilo que aconteceu que se traduz na situação dos jornalistas é uma situação que eu lamento. Foram tomadas as medidas que deviam ser tomadas, no imediato, a Inspecção-geral da Administração Interna vai proceder à averiguação daquelas circunstâncias. A PSP disse já também sobre essa matéria está a proceder às averiguações daquilo que se passou", afirmou Miguel Macedo.

Cortam para enriquecer. Aceitam subornos para se manterem no poder. Mandam a polícia ser dura para fazer passar a mensagem de que quem arrebita cabelo sujeita-se a levar no trombil. E negam sempre tudo. E sempre com o ar mais seráfico de que são capazes.
Porque o que importa é a "defesa da democracia" "garantir a paz pública", fazer com que as pessoas vivam "tranquilamente", dar a ideia de que os cidadãos têm na mão a "condição absoluta do exercício das liberdades".

25 março 2012

Et maintenant la valse

Beethoven ou «Butthoven's 5th Symphony»

Ao ritmo das nádegas de Michelle L'Amour

Antonio Tabucchi (1943-2012)



Num curto espaço de tempo Itália perde dois nomes maiores da sua literatura: Tonino Guerra e Antonio Tabucchi.


Ambos com ligações a Portugal. Tabucchi talvez fosse o escritor italiano mais português, tanto que, ao que se sabe, morreu hoje em Lisboa. Antonio Tabucchi dedicou um livro aos Açores, A mulher de Porto Pim:

Post Scriptum
Uma baleia vê os homens

Sempre tão atarefados, e com longas barbatanas que agitam com frequência. E como são pouco redondos, sem a majestosidade das formas acabadas e suficientes, mas com uma pequena cabeça móvel onde parece concentrar-se toda a sua estranha vida. Chegam deslizando sobre o mar, quase como se fossem pássaros, e infligem a morte com fragilidade e graciosa ferocidade. Permanecem longo tempo em silêncio, mas depois entre eles gritam com fúria repentina, com um amontoado de sons que quase não varia e aos quais falta a perfeição dos nossos sons essenciais: chamamento, amor, pranto de luto. E como deve ser penoso o seu amar-se: e áspero, quase brusco, imediato, sem uma macia capa de gordura, favorecido pela sua natureza filiforme que não prevê a heróica dificuldade da união nem os magníficos e ternos esforços para a realizar.
Não gostam da água e têm medo dela, e não se percebe porque a frequentam. Também eles andam em bandos mas não levam fêmeas e adivinha-se que elas estão algures, mas são sempre invisíveis. Às vezes cantam, mas só para si, e o seu canto não é um chamamento, mas uma forma de lamento angustiado. Cansam-se depressa, e quando cai a noite estendem-se sobre as pequenas ilhas que os transportam e talvez adormeçam ou olhem para a lua. Vão-se embora deslizando em silêncio e percebe-se que são tristes.

in A mulher de Porto Pim, Difel, págs. 94-5

20 março 2012

Os mercados provavelmente enganam-se

A especulação é a norma. O resto é folclórico e tem por objectivo constranger os países a jogar segundo regras que aceitam quando pedem emprestado. Ou isso se pensa ao ler afirmações como esta: "a reestruturação da dívida da Grécia que causou pânico no mercado obrigacionista e provavelmente provocou uma recessão desnecessária na Europa".
Todos os países recorrem aos "mercados" para se abastecerem de dinheiro. Os ditos analisam a situação financeira do país, o risco envolvido e taxam supostamente em função disso. Mas sabe-se que não é assim. Há países como a Espanha que são altamente penalizados e outros como os EUA, a França, Inglaterra ou Alemanha que são altamente beneficiados.
Vir dizer que os investidores estão preocupados em saber como vai Portugal desencantar "os 9,7 mil milhões de euros de obrigações cuja maturidade terminam em Setembro de 2013 e que não estão cobertos pelo resgate de 78 mil milhões" e recordar que as yields das obrigações portuguesas a cinco anos continuam perto dos 16%, é mostrar como os mercados apenas querem ganhar dinheiro fácil com os aflitos. Seguem, aliás, o mesmo raciocínio que se aplica nos países em crise: quem paga mais é quem menos tem. Chama-se a isto justiça mercantil ou negócio. Antigamente chamavam-lhe agiotagem.

Sonae, amiga, o povo acredita na cantiga

«O volume de descontos concedidos em cartão e talão aos clientes das áreas de retalho da Sonae aumentou 23%, para 330 milhões de euros, em 2011 face a 2010, anunciou hoje o grupo. (...) "Num contexto económico adverso, a Sonae manteve-se ao lado dos seus clientes e daqueles que mais necessitam, contribuindo para aliviar as dificuldades que as famílias enfrentam", sustentou o presidente do conselho de administração da Sonae MC, Luís Moutinho.» (fonte)

Eis como as notícias servem interesses particulares. Quem passar os olhos pelo cabeçalho até pensa que a Sonae é generosa. Quem usa as lojas da empresa para fazer compras há muito percebeu que os descontos são uma miragem. Os preços sobem ali a um ritmo vertiginoso. Os descontos não passam de um engodo ou de um modo de chamar a malta para continuar a consumir.

Uma imagem vale mais do que mil palavras


Supõe-se que um país é, por definição, algo mais importante do que uma empresa. Até porque um país é composto por gente e dela depende a vitalidade, a força, a energia do mesmo.
Mas, no caso de Portugal, o país soçobra perante os interesses da EDP. A EDP tem mais força. Pode não só demitir um secretário de estado como é capaz de dar a volta à troika.
As pessoas podem:
a) ser obrigadas a emigrar;
b) passar fome;
c) cair no desemprego;
d) sair da sua "zona de conforto";
e) perder a casa;
f) bater palmas ao governo.
Já o governo:
1) Não consegue sair da sua zona de conforto;
2) Andou para aí a prometer transparência e já se viu que a única transparência é a da pobreza, a de ter de ir a uma instituição de caridade mendigar sopa;
3) Continua a manter as rendas dos senhores grandes, como os da EDP;
4) Faz de conta que governa enquanto vai servindo os jobs aos boys.

A nobreza dos que espezinham quem trabalha e lambem o rabinho (tão carinhosos somos que usamos este diminutivo) aos que ganham milhões (parte dos quais conseguidos a roubar os pobrezinhos e os coitadinhos que precisam de energia e de luz) é uma nobreza cocó ou da merda. E a merda é tanta que a verdade sai pela voz do arauto: Marcelo Rebelo de Sousa acredita na reeleição do actual primeiro-ministro, considerando que tem feito uma boa gestão da sua imagem.
Repare-se que não é por governar bem é por cosmética. No fim do mandato o país terá regredido 20 anos. Mas Passos Coelho ficará muito bem no retrato. Talvez seja de propor que se façam já cópias emolduradas para tudo o que é instituição pública e que se prepare uma disciplina no ensino obrigatório para enaltecer a figura do homem que nos salvou do abismo: o bom gestor de imagem Passos Coelho.

Essa coisa proibida e nojenta

Fumar é cada vez mais atentar contra a moral e os bons costumes. Uma pessoa pode ser um crápula, fazer a vida negra aos outros, tratar toda a gente como lixo - coisas que se desculpam se a pessoa em causa for ou rica, ou televisionável, ou um político. Já se fumar um cigarro é banido do grémio. Que o diga Fábio Coentrão.

15 março 2012

Um português que se enganou no sítio e na língua



“Chamo-me Clarence. Sou um ponto de acesso à Internet 4G.” A frase, estampada na t-shirt usada por Clarence e outros 12 sem-abrigo de Austin durante o festival de cinema, música e tecnologia South By Southwest, era um sinal para que todos os utilizadores de telemóveis, tablets e computadores portáteis que passeavam pelas ruas da cidade texana pudessem aceder à Web.

“O South By Southwest de 2012 pode ser resumido desta forma: uma empresa de marketing com um nome impossível, chamada Bartle Boogle Hegarty, está a levar a cabo uma pequena experiência de ciências humanas denominada 'Homeless Hotspots'. Dão aparelhos de acesso à Internet a pessoas sem-abrigo, juntamente com uma t-shirt. Na t-shirt não está escrito ‘Eu tenho um ponto de acesso 4G’. Está escrito ‘Eu sou um ponto de acesso 4G’”.

Proposta de emprego


Se és português, votaste PSD ou CDS e empobreceste, não hesites companheiro, inscreve-te na nossa campanha tshirt de borla.
As nossas tshirts são bué de fixes. E são 100% grátis. Como podes ver, quem as usa sente-se altamente.


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Apenas serás obrigado a transportar às costas um aparelho MiFi [router que permite acesso à Internet sem fios a aparelhos 4G - telemóveis ou tablets]. Se não cumprires o contrato serás obrigado a pagar uma indemnização no valor de três vezes o custo de cada hora fornecido pelo servidor.

Dia do Consumidor: como poupar em 6 passos simples

1.º Deixar de pôr gasolina ou gasóleo no popó ou fazê-lo apenas uma vez por mês, num montante baixo. Dispensar também os transportes públicos (como um verdadeiro amigo do ambiente);

2.º Deixar de ir ao supermercado ou à mercearia para adquirir bens de primeira necessidade, ir apenas para desentorpecer as pernas. Para comer procurar a fila da sopa dos pobres (atenção: não esquecer de usar na lapela um pin com o rosto simpático e sorridente do senhor primeiro-ministro de Portugal);

3.º Para poupar electricidade desligar os aparelhos domésticos (TV, frigorífico, etc.), contribuindo de modo exemplar para uma boa pegada ecológica;

4.º Reciclar a roupa velha que se tem em casa (é cool, seja lá o que isso for), potenciando a criatividade e a inovação;

5.º Como a sopa dos pobres é uma incógnita e pode passar dias sem comer, meter baixa ao serviço ou pura e simplesmente deixar de ir trabalhar (acabando assim por perder o salário e consequentemente deixar de pagar impostos);

6.º A pouco e pouco sentir-se-á leve, muito leve. É a morte que, tão querida e simpática como o senhor primeiro-ministro, o visita com um passaporte para o paraíso.

Quando a alma de um português ascender a tão azul e puro lugar (no céu metafórico a poluição não chega) pede-se que a filarmónica do lugar toque o hino nacional. É que o pouco dinheiro que tiver amealhado será entregue ao Estado português para que algum senhor do PSD ou do CDS-PP possa vir sorrir à TV (que estará desligada, claro, mas o que importa é o gesto).

Da pátria portuguesa e dos nobres lusitanos

Vivemos tempos mínimos, em que as boas intenções contaminam os discursos do poder, mas não as práticas. Em que as empresas continuam a actuar como se o Estado fosse uma vaca leiteira, pois o nobre e alto objectivo dos donos das empresas é o lucro e não há, dizem, valor mais absoluto. Tempos em que o Estado esmaga os pequenos para servir os interesses dos grandes. Tudo sob cobertura jornalística, ou seja, sob o manto diáfano da indiferença.
Assim, enquanto Henrique Gomes, ex-secretário de Estado da Energia, diz que a manutenção dos lucros excessivos decorrentes das garantias dadas pelo Estado ao negócio da energia desviará das famílias e das empresas mais de 3500 milhões de euros até 2020, o presidente da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) tenta pôr água na fervura, afiançando ser «prematuro» afirmar que as tarifas de electricidade vão aumentar 10 por cento, em 2013.
Já as empresas nacionais, exemplo de verdadeiro patriotismo, podem pôr os olhos na Lusoponte, que entregou um pedido de indemnização por parte do Estado no valor de 100 milhões de euros. Porquê? Pelo «risco de variação dos impostos».
Como se percebe, as empresas recebiam do Estado verdadeiras fortunas. Isto é, dinheiro que nos é tirado em impostos serve para meia dúzia enriquecer.
Mas o discurso é sempre: contra o trabalho. Contra quem é assalariado médio e baixo. Esses pagam a factura e são apontados como os culpados da coisa. Por dever patriótico.
A pátria tem sido uma bocadinho puta. É toda oferecida a quem devia pagar e cobra couro e cabelo a quem está liso.

13 março 2012

A acácia, uma espécie altamente política


Não são precisas muitas acácias para alterar um ecossistema. Apenas uma pode alterar os solos, através de interacções invisíveis, e a uma distância muito maior do que o pensado.

As estratégias de sobrevivência da acácia (Acacia longifolia), originária do Sul da Austrália e da Tasmânia, foram reveladas numa duna costeira de Pinheiro da Cruz, no concelho de Grândola, por investigadores do Centro de Biologia Ambiental da Universidade de Lisboa e do Departamento de Ecologia Experimental e de Sistemas da Universidade alemã de Bielefeld.

A espécie, trazida para Portugal para fins ornamentais e para fixar os solos, tornou-se numa ameaça descontrolada e uma dor de cabeça para associações florestais, municípios, empresas e particulares. E não é por desfear a paisagem; a árvore compete com as plantas nativas pelos recursos, nomeadamente pela água, e altera o funcionamento do solo.

“Assim que uma simples acácia se instala numa zona, e antes de nos apercebermos que está em curso uma invasão desta espécie exótica, a planta deixa imediatamente a sua marca no sistema e altera-o para seu próprio benefício” diz Cristina Máguas, do Centro de Biologia Ambiental. À medida que as acácias se multiplicam e cobrem o ecossistema “vão abafando o espaço das outras plantas”.

Ler mais aqui.

O Estado, esse nosso amigo

Citamos este artigo:

«A Brisal, concessionária da Auto-estrada do Litoral Centro, que liga a Marinha Grande a Aveiro, reclama uma indemnização de mil milhões de euros ao Estado pelas quebras de tráfego verificadas.
(...)
Este processo surge poucos dias depois de a Lusoponte se recusar a devolver os 4,4 milhões de euros pagos em duplicado - pelo Estado e pelos utilizadores da ponte 25 de Abril - durante o último mês de Agosto. O que têm estas situações em comum? A má preparação do sector público na negociação e assinatura de contratos com privados. (...) É fácil dizer que o Estado tem de renegociar todos contratos de concessão e que não deve recorrer a advogados ou outros prestadores de serviços privados porque isso aumenta a despesa pública, o que é difícil é garantir que as estruturas jurídicas existentes na esfera pública são capazes de discutir de igual para igual com o sector privado na defesa dos seus interesses. Os resultados estão à vista, com pedidos de indemnização a atingirem níveis impensáveis porque os contratos não foram devidamente acautelados ou porque o Estado não sabe ou não consegue fazer valer os seus direitos.»

Comentário: O Estado tem rostos e esses rostos são ou pequenos grãos numa engrenagem ou mãos e braços de empresas.
A lei deveria acautelar estas situações (sobretudo num país onde há tanta fúria legislativa) e se a lei não existe, ou é omissa, tal deve-se a uma estratégia de defesa de interesses particulares. DE resto, a reacção do secretário de estado no caso da Lusoponte é sintomático: aos privados paga-se. Ao cidadão anónimo tira-se. O Estado é prepotente e abusador sob a capa da lei.

09 março 2012

Escutem o Zé-Ninguém

Há um livro de Wilhelm Reich, redigido em 1946, que poderia endereçar-se a Sua Excelência o Senhor Presidente da República Portuguesa, Aníbal Cavaco Silva, Escuta, Zé Ninguém!.
Sua Excelência tem o hábito de dizer as coisas de tal maneira que as pessoas não o percebem, sendo o resultado quase sempre lamentável, permitindo que a popularidade de S.ª Exa. seja a mais baixa de que há memória.
Como se não bastasse, a retórica de que serve é, no mínimo, pastelosa. Veja-se: «Pela quarta vez, numa disputa eleitoral em que pessoalmente me submetia ao julgamento dos meus concidadãos, obtive mais de 50% dos votos. Tratou-se de um gesto de confiança dos Portugueses que muito me honra. Senti, naturalmente, o peso desta responsabilidade histórica. A vitória nas eleições de 2011 teve um sabor especial, que reforçou em mim a admiração profunda e o sentimento de gratidão para com o povo português.»
S.ª Exa. tem a mentalidade própria de alguém conservador e, por isso, acha uma aberração o casamento de pessoas do mesmo sexo. Mais, a coisa é de tal forma forte para o delicado estômago de S.ª Exa. que ele chega mesmo a servir-se desse facto como dado de arremesso contra o governo e a maioria que permitiu que tal fosse possível.
Como se diz no tal livrinho de Reich, «não existe nada a que mais fujas do que a encarar-te a ti próprio» Zé Ninguém.
Sim, como pode alguém tolerar que as pessoas sejam livres e vivam como tal? A liberdade é contra natura e constitui sempre uma ameaça aos interesses de desses poucos que se acham empossados pela lei divina.
Só alguém divino é capaz de adivinhar o que dirá a História. Cavaco Silva é um desses iluminados. Afirma sem titubear: «não me congratulo pelo facto de a História me ter dado razão».
nem se lembra que história e memória são indissociáveis. Dar-lhe-á jeito fazer de conta que não fez a primeira campanha a prometer melhor dias aos Portugueses (como ele gosta de escrever). Viu-se. Desde que é presidente, a vida dos Portugueses não tem parado de se afundar.

08 março 2012

A importância da voz

Quando fala um banqueiro a nação verga-se e baba-se. As palavras são sorvidas. Quando fala um dirigente político do PCP ou do BE a nação olha para o lado.
Jerónimo de Sousa, acusou hoje o governo de ser exigente com as classes mais desfavorecidas ao mesmo tempo que permite à Lusoponte receber duas vezes as portagens de agosto na ponte 25 de Abril.
O governo, como se sabe, dividiu-se sobre o assunto. Passos Coelho estava a leste. O secretário de estado disse que sim e que isso era... perfeitamente normal.
Percebe-se. A nação que trabalha precisa de sindicatos para ter alguma protecção. As empresas grandes têm bons advogados para zelar pelos seus interesses.
A nação gosta quando cortam às pessoas o pouco que ganham. E adora que os que já têm muito possam ter ainda mais. É a equidade nacional.

Transcrições

Às vezes não vale a pena acrescentar nada às notícias. Basta seleccionar e ordenar a informação. Aqui fica uma amostra:

Chineses vão receber 144 milhões em dividendos da EDP (Económico).

O Estado vai receber menos dividendos este ano. A venda de parte das posições que mantinha no capital das empresas do sector energético, acordada com a troika no âmbito do programa de assistência financeira, retirou-lhe a possibilidade de encaixar 180 milhões de euros com a remuneração accionista que será paga pela EDP e a REN. (Jornal de Negócios)

A EDP revelou hoje que teve um lucro de 1.125 milhões de euros em 2011, mais 4% do que no ano anterior, e o melhor resultado de sempre para a eléctrica. (idem)

António Mexia: “É a EDP que financia os consumidores” (Público)

As famílias portuguesas têm uma das electricidades mais caras da Europa. A conclusão é de um estudo publicado (...) pelo Eurostat, sobre os preços da electricidade e do gás praticados entre o segundo semestre de 2009 e o de 2010, que diz que Portugal é o nono país da Europa a 27 com a factura da luz mais cara, tendo em conta o valor pago e o custo de vida nacional. (Dinheiro Vivo)

O presidente executivo da EDP, António Mexia, recusa a ideia de que as receitas recebidas pelo grupo em Portugal sejam “rendas excessivas” e considera que “a existência de um défice tarifário corresponde a uma situação em que é a EDP a financiar o sistema”. (Jornal de Negócios)

BCE agrava previsões para a economia do euro (Económico)

BCE lucra mais de mil milhões com compra de dívida soberana (Jornal de Negócios)

O resultado líquido do Banco Central Europeu (BCE) cresceu 325 por cento para 728 milhões de euros no ano passado, face aos 171 milhões de euros registados em 2010, anunciou hoje a entidade liderada por Mario Draghi. (jornal i)

03 março 2012

Fala John Perkins

«Basicamente, aquilo que fazíamos era escolher um país, por exemplo a Indonésia, que na década de 70 achávamos que tinha muito petróleo do bom. Não tínhamos a certeza, mas pensávamos que sim. E também sabíamos que estávamos a perder a guerra no Vietname e acreditávamos no efeito dominó, ou seja, se o Vietname caísse nas mãos dos comunistas, a Indonésia e outros países iriam a seguir. Também sabíamos que a Indonésia tinha a maior população muçulmana do mundo e que estava prestes a aliar-se à União Soviética, e por isso queríamos trazer o país para o nosso lado. Fui à Indonésia no meu primeiro serviço e convenci o governo do país a pedir um enorme empréstimo ao Banco Mundial e a outros bancos, para construir o seu sistema eléctrico, centrais de energia e de transmissão e distribuição. Projectos gigantescos de produção de energia que de forma alguma ajudaram as pessoas pobres, porque estas não tinham dinheiro para pagar a electricidade, mas favoreceram muito os donos das empresas e os bancos e trouxeram a Indonésia para o nosso lado. Ao mesmo tempo, deixaram o país profundamente endividado, com uma dívida que, para ser refinanciada pelo Fundo Monetário Internacional, obrigou o governo a deixar as nossas empresas comprarem as empresas de serviços básicos de utilidade pública, as empresas de electricidade e de água, construir bases militares no seu território, entre outras coisas.

Há algumas centenas de anos, a geopolítica era maioritariamente liderada por organizações religiosas; depois os governos assumiram esse poder. Agora chegámos à fase em que a geopolítica é conduzida em primeiro lugar pelas grandes multinacionais. E elas controlam mesmo os governos de todos os países importantes, incluindo a Rússia, a China e os EUA. A economia da China nunca poderia ter crescido da forma que cresceu se não tivesse estabelecido fortes parcerias com grandes multinacionais. E todos estes países são muito dependentes destas empresas, dos presidentes destas empresas, que gostam de baralhar as pessoas, porque constroem muitos mísseis e todo o tipo de armas de guerra. É uma economia gigante.

(...) a boa notícia é que as pessoas em todo o mundo estão a começar a compreender como tudo isto funciona. Estamos a ficar mais conscientes. As pessoas na Grécia reagiram, na Rússia manifestam-se contra Putin, os latino-americanos mudaram o seu subcontinente na última década ao escolher presidentes que lutam contra a ditadura das grandes empresas. Dez países, todos eles liderados por ditadores brutais durante grande parte da minha vida, têm agora líderes democraticamente eleitos com uma forte atitude contra a exploração. Por isso encorajo as pessoas de Portugal a lutar pela sua paz, a participar no seu futuro e a compreender que estão a ser enganadas. O vosso país está a ser saqueado por barões ladrões, tal como os EUA e grande parte do mundo foi roubado. E nós, as pessoas de todo o mundo, temos de nos revoltar contra os seus interesses. E esta revolução não exige violência armada, como as revoluções anteriores, porque não estamos a lutar contra os governos mas contra as empresas. E precisamos de entender que são muito dependentes de nós, são vulneráveis, e apenas existem e prosperam porque nós lhes compramos os seus produtos e serviços. Assim, quando nos manifestamos contra elas, quando as boicotamos, quando nos recusamos a comprar os seus produtos e enviamos emails a exigir-lhes que mudem e se tornem mais responsáveis em termos sociais e ambientais, isso tem um enorme impacto. E podemos mudar o mundo com estas atitudes e de uma forma relativamente pacífica.»

in jornal i

Fala José Pacheco Pereira

«Portugal comprou esta semana a bala da sua execução, com alguma pompa, circunstância e uma gigantesca cegueira e subserviência aos poderosos da Europa. Refiro-me à assinatura do texto do novo "tratado" cisionista da UE, que deixa de fora o Reino Unido e a República Checa. A assinatura por si só não significa a ratificação do tratado, que tem que ir aos Governos, aos Parlamentos nacionais, passar nos tribunais constitucionais onde é caso disso, e, no caso irlandês, a referendo. Mas conhecendo os nossos costumes, para Portugal, é como se já fosse de pedra e cal, perante a subserviência de Governo, do PSD e do PS, a complacência presidencial, o olhar para o lado do Tribunal Constitucional, e a abulia da opinião pública. Mais uma vez, fomos colocados sob o signo da nova lei da inevitabilidade, para aprovar a "regra de ouro", de que é feita a bala que, destruindo tecido, osso e massa encefálica, deu a outros o instrumento para a nossa execução.

(...)

Há receitas by the book que os bons técnicos conhecem, mas duvido que percebam por que razão os países não podem ser governados by the book. Duvido que saibam o que é o "ruído" de que sociólogos como Weber teorizaram. É que se os países fossem governados by the book, seria fácil governá-los e nada falhava. É aliás esse o mito tecnocrático, o de que o saber puro, uma espécie de matemática de soluções interligadas, de modelos, quando aplicadas com rigor, dão os resultados pretendidos. Esta é, aliás, uma ilusão muito típica dos economistas que, como agora estamos no tempo deles, arrastam atrás de si a admiração embasbacada dos comuns mortais.

Talvez valha a pena lembrar que a maioria dos modelos que foram aplicados à economia mundial e nacional falhou estrondosamente e que na génese de muitos problemas actuais está uma coligação muito próxima de economistas e políticos, ambos unidos por essa redução da política ao "economês". (...)

O pequeno e imenso problema é o "ruído" do mundo. As acções humanas, sejam na economia, na sociedade, na cultura, na política, estão cheias de "ruído", que gera um enorme fosso entre as intenções proclamadas e os resultados obtidos. Quase que se pode dizer que a regra é os resultados serem muito diferentes das intenções. É a regra que Weber lembrava aos políticos de que a maioria das suas acções tem resultados exactamente opostos ao pretendido. Aplica-se também aos economistas a fazer política.

(...)

Os propagandistas do actual poder (...) têm-se em tão alta noção de si próprios que acham que estão a "mudar Portugal", a "fazer um país diferente", um típico revolucionarismo messiânico, em versão chã.»

in Público, 3MAR2012

01 março 2012

Da leitura: uma deriva

Ler é uma experiência intoxicante. Reler e ser surpreendido é algo tão intenso que se correm certos riscos.
Há quem leia para passar o tempo. Há quem leia por obrigação. Há quem não leia por opção, preguiça, falta de preparação. Há quem o faça com o mesmo princípio com que se ouvem ritmos fáceis, para entreter.
Ler e sair-se do mundo de certezas que se possui; ler e ver-se desassossegado é verdadeiramente viciante. Como uma droga. Ler é um vício caro. Porque exige ócio. Por isso, ler assim é algo que se abeira da insubordinação. Chega a ser associal e profundamente contra o negócio.
Ler num mundo todo ele virado para o negócio é criminoso. Um estado que "promove" a leitura é um estado infantil. Ler devora tudo. É anti-estatal.
Que ainda haja 300 leitores é qualquer coisa de extraordinário, mesmo que o universo seja de 8 milhões. Trezentos leitores são demasiados para um universo concentracionário.
E no entanto há mais de 300 leitores. Paradoxos que confirmam a impossibilidade de estabelecer qualquer programa de leitura.
A mim apetece-me dizer leiam e se quiser fotocopiem, fotografem, digitalizem os livros de Joaquim Manuel Magalhães anteriores a Um Toldo Vermelho. A este guardem-no numa vitrina e prestem-lhe a mesma cerimónia que se presta a um santo: ignorem-no. A ignorância é um modo de ler. E como dizia Álvaro Lapa, lendo descobre-se.