08 junho 2010

António Manuel Couto Viana (1923-2010)


[imagem daqui]

Morreu hoje em Lisboa. Aqui ficam alguns poemas seus.


O poeta e o mundo

Podem pedir-me, em vão,
Poemas sociais,
Amor de irmão p'ra irmão
E outras coisas mais:

Falo de mim - só falo
Daquilo que conheço.
O resto... calo
E esqueço.

[in Uma vez uma voz, Verbo, 1985, pág. 44]

A poesia está comigo

Queres cantar fados, ler sinas
Por ruas tortas, escusas?
Ou tens pretensões mais finas?
- Não me esperem nas esquinas:
Não marco encontros a musas.

Cantem outros a desgraça
Em quadras fáceis, banais,
Cheias de mofo e de traça:
Soluços de fim de raça,
Com vinho, amor, ódios, ais.

E dos parques silenciosos
De estátuas, buxo e luar,
Cresçam sonetos cheirosos,
Requintados, vaporosos
Qual uma renda de altar.

Para mim basta o que tenho:
Umas rimas sem valia,
Mas próprias, do meu amanho;
Minha colheita, meu ganho
- Poesia! Poesia!

[idem, págs. 63-4]

Fora de moda

Versos antigos, de antigos poetas,
Tão esquecidos, fora de moda,
Ao lê-los, leio, numa outra era,
Meus próprios versos. E a alma chora.

Bem pouco entendo, dos novos cantos,
O que me dizem, o que sugerem,
Que fim apontam, com que diálogo
Falam da vida, como a interpretam.

Só vejo imagens, oiço palavras
Belas, sim, belas, mas sem sentido.
E desce a sombra, e os sons apagam-se
Sobre os meus olhos, nos meus ouvidos.

É de leitores que são avaros
Estes poetas do meu presente?
Tanta poesia só para raros!
(Ou sou o raro que não a sente?)

[idem, págs. 430-1]

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