09 março 2010

Termómetro. Diário

Gémeos

O meu corpo, pequenas manchas róseas
Às vezes explode. A morte -
A morte, o bolor, o tecto negro

As paredes cheias de manchas.
O folclore. Hesito, toco-te
O escuro entristece-me as veias.

Lentamente vou preparando a náusea
As minhas coisas -
A traição, ficar a meio

E pelos teus olhos vou crescendo, desconhecendo-me.
Os meus começam, outras inquietações
Sonhos com dentes, relógios, ampulhetas

Pois só as derrotas se recordam
A lógica, o dinheiro.
E eu, eu faço de dois.


Canada

Acusações, pedidos de socorro
Eis o amor.
Ele telefona à mãe. Ela diz tenho ciúmes
Comigo nunca falas assim.

À noite a audição é um sopro
A maior parte das pessoas dorme.
Às vezes a preguiça é mais forte
Faço perguntas, volto a enroscar-me.

É tão simples o hábito, a ferrugem
Inhinho aresta, o caramelo
Vamos fazer amor? Não, vamos foder
Fazer amor mete-me nojo.


Travessão

Que raio de linha me queres fazer crer
A dúvida, o teu olhar, quero, quero
Controlar-lhe o movimento, o horizonte.

Um gosto antigo, carvão e petróleo
O medo, o ritmo doméstico
Onde a infância, a racionalidade.

Vagarosas frases, uma tolha estendida à beira mar
O ir de carro com o tejadilho aberto
A ouvir música dos The Clash.

E o sol e as emoções, gestos e mãos
E a desordem - não ser como vós
Um grito de amor lá muito para trás.

[in C. Luís Bessa, Termómetro. Diário, Black Sun Editores, 1998]

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