29 abril 2010

Ao volante nas estradas portuguesas


Anonimato e desresponsabilização são os grandes trunfos dos condutores. Por isso, vale tudo: comportamentos hostis, buzinar, desrespeito pelas regras e sinais de trânsito, palavrões, gestos obscenos. E não se pense que há uma questão de género. Homens e mulheres partilham a mesma má-criação ao volante. Também não é uma questão de idade. Tanto novos como velhos dão azo ao diabinho que transportam na mente e no coração. Embora, a partir dos 45 anos haja uma diminuição dos comportamentos de risco.


Os resultados podem ser dramáticos. Há memória de condutores que, munidos de armas de fogo, disparam a matar. E outras histórias de faca e alguidar. Às vezes é apenas uma questão de danos materiais. Noutras, uma questão de stress.
A máquina adultera a civilidade das pessoas? Ou serão as pessoas que protegidas pelo habitáculo o sentem como uma armadura e deixam de estar tão vigilantes, permitindo-se comportamentos impróprios e que põem em risco a segurança pública?

28 abril 2010

Exagero é lixar sempre os mesmos


É sempre a mesma história. Quem trabalha por conta de outrem e aufere salários mais baixos é que paga tudo: crises, enriquecimentos à má fila, corrupções. E ganha sempre a mesma meia dúzia, embora os rostos desse meia dúzia se vá modificando de vez em quando.
O Estado português tem muita garganta e como sempre assim é, não os tem no sítio. Felizmente para todos, os tugas são o que sempre foram, cordeiros mansos e pagam tudo sem tugir nem mugir. Enchendo os cafés e lugares afins de perdigotos. São inócuos.
Quando alguém recebe vencimentos acima do que ganham os congéneres estrangeiros está tudo bem. Mesmo que ainda há não muito essa empresa quisesse subir as tarifas porque, diziam, estavam a ter prejuízos elevadíssimos... Abençoados prejuízos!
Quando os que ganham mil euritos têm que apertar o cinto e pagar tudo mais caro, continuando no mesmo passo de calvário, sem pelo menos dizerem que não de forma a que quem lhes paga e quem os governa saiba que não aceitam isso de modo pacífico, podemos confirmar que Portugal não vale a pena, é um território podre, onde nada de viçoso medra.

27 abril 2010

Perigos de histórias unívocas

Chimamanda Adichie é uma escritora nigeriana. Ouçam-na e vejam como o poder tem muitas maneiras de controlar o pensamento das pessoas.

25 abril 2010

As bodas de ouro da pílula


Há 50 anos era lançado no mercado americano o comprimido milagroso que evitava a concepção. Foi o primeiro comprimido criado para ser tomado regularmente por pessoas que não estão doentes. E despertou muita polémica nos idos de 1960. Nesse tempo, apenas as mulheres casadas a podiam comprar.

Sexo, drogas e microfones ocultos



Com este título pode ler-se uma curiosa notícia no El País sobre Rock & servizi segreti, livro do historiador italiano Mimmo Franzinelli. O assunto é J. Edgar Hoover, pai do FBI. Que elegeu alguns músicos como alvo a seguir.
Frank Sinatra e Jim Morrison, Bob Dylan e Leonard Bernstein, John Lennon e Pete Seeger contam-se entre os eleitos. Sempre com o mesmo objectivo: o poder.
A paranóia chegou a ser tão forte que se forjaram complôs.Quem quiser ler a notícia tem o link em cima.

22 abril 2010

Do nojo para uns que se converte em bons salários para outros


Quem anda pelos corredores e gabinetes do poder, anda, está entretido, ganha a a vidinha, aprende o jargão técnico de que tanto se gosta nesses sítios e... creio... deixa de reflectir, torna-se papagaio oficial de uma babugem que acaba por vir parar em cima de nós.
Eu que raramente frequente antros tão poluídos, sou de quando em quando confrontado com os clichés e uma maneira de pensar que faria as delícias de escritores como Fialho de Almeida, Eça de Queirós, Dostoievsky ou Sthendal. Porque as poses, as curvaturas de espinha, os gestos, a linguagem parecem decalcadas das que eles ridicularizaram nos seus livros.
Mas eu não tenho estômago para isso. As tripas começam logo a produzir um suco ácido e a cabeça fervilha - como é possível que em tempos de crise, em que se dá cabo da vida de tanta gente, um grupo de pessoas se alimente à custa do erário público e faça gala da ignorância e do enfatuamento?
Os discursos dos gabinetes é algo a que todos deviam poder assistir, ou para se rirem até não poder mais, ou para deixarem sair quantos impropérios há.
Todos sabemos que ganhar a vida obriga a pactuar com esquemas e misérias que há muito se arranjaram para separar as águas, ou para que uns ganhem milhões e outros tostões. O que não sabemos, mas pressentimos, é que grande parte dos gabinetes é meramente parasita: consome imenso erário público em salários e despesas de funcionamento de gente que apenas está ali para impedir que a vida do país melhore.
Esperemos que a regionalização não avance tão cedo. Ou seremos obrigados a alimentar ainda mais mediocridade e a ter que suportar o insuportável: que nos digam o que devemos pensar, dizer, ler, vestir, ser.

20 abril 2010

A quem interessa a crise grega, espanhola e portuguesa?


De longe em longe há quem aponte o dedo à vaca sagrada e levante o véu do apetite voraz que domina os grandes grupos financeiros. Os grandes bancos de investimento mundiais e os fundos de alto risco (hedge funds), que especulam sobre o valor da dívida pública dos países lucram com isso.
Os produtos financeiros problemáticos servem para cobrir os supostos riscos associados a outros activos - por exemplo, os CDS (Credit Default Swap) são muito usados para cobrir o risco das dívidas públicas, sobretudo as dos países mais fragilizados com a crise financeira e económica, como Grécia e Portugal. Estes seguros (CDS) cobrem o risco de incumprimento ou mesmo de falência das nações. O problema (para os contribuintes) é que, em muitos casos, quanto maior o risco e quanto pior estiver o país, mais ganham os investidores. Portanto, existem incentivos crescentes em fazer descarrilar os Estados. Portugal e Grécia acabam por ser os elos mais fracos da zona euro.

Fonte: i

David Byrne


Saiu há pouco o Diário de Bicicleta, com tradução de Vasco Teles de Menezes (edição Quetzal), e a propósito disso e de um disco, fazem-se entrevistas de promoção. Numa delas, daqui, colhemos estas frases:

"As cidades são sítios onde se trocam ideias, mas onde nos podemos permitir falhar também. São locais onde podemos escolher ser quem somos."

"Os carros e os subúrbios afastam."

"Não é pelo facto de uma cidade ter uma "ópera, uma orquestra sinfónica ou uma série de monumentos que nos vamos lembrar dela. Mas se tiver uma "cena" artística vibrante e uma vida cultural que estimule, isso fará a diferença. Não só para as pessoas que vivem nesse local, como para quem vem de fora. Não basta construir apartamentos e estradas. É preciso criar estímulos criativos. E nisso a cultura é fundamental. É necessário que as cidades sejam locais onde apetece viver, onde nos sintamos inspirados, onde tenhamos a experiência de criar, sejamos artistas ou homens de negócios."

" É na rua que está a inspiração. Olhar para as pessoas, os gestos, o que dizem, tentar percebê-las."

Pedro Costa

Gosto deste realizador. A entrevista não está relacionada com o filme "Ne Change Rien". No El País há uma pequena entrevista, que pode ser lida e com excerto para visionar. Para quem sabe francês pode ouvi-lo aqui, aqui, aqui e aqui.





18 abril 2010

Parabéns ao Açoriano Oriental



São 175 anos de jornal. A servir Ponta Delgada e S. Miguel.


Do jogo e redes sociais


Os jogos sociais são a nova moda da internet e dão lucro, muito lucro (os jogos do Facebook geraram já 370 milhões de euros). Logo à cabeça o mundialmente famoso "FarmVille", depois "PetVille", "MafiaWars", "SocialCity", "Café World", "Bubble Island" e outros.
O "FarmVille" tem cerca de 80 milhões de utilizadores e não leva sequer um ano de existência. O "World of Warcraft", o maior jogo online para múltiplos jogadores, apenas 11 milhões.
Sendo jogos gratuitos, como se faz dinheiro? Simples. Deixando agir a alma humana, a rivalidade, a vontade de ganhar, o querer ir à frente. O pior é que as crianças facilmente caem em tentação. Na semana passada, o "The Guardian" revelou o caso de um rapaz britânico de doze anos que gastou 905 libras (1031 euros) a arranjar a sua quinta.

17 abril 2010

Um pouco de som


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Michel Houellebecq

Les nuits passent sur moi comme un grand laminoir
Et je connais l'usure des matins sans espoir
Le corps qui se fatigue, les amis qui s'encartent,
Et la vie qui reprend une à une ses cartes.

Je tomberai un jour, et de ma propre main:
Lassitude au combat, diront les médecins.

[in Renaissance, Flammarion, 1999]

La liberté me semble un mythe,
Ou bien c'est un surnom du vide;
La liberté, franchement, m'irrite,
On atteint vite à l'insipide.

J'ai eu diverses choses à dire
Ce matin, très tôt, vers six heures
J'ai basculé dans le délire,
Puis j'ai passé l'aspirateur.

Le non-ètre flotte alentour
Et se colle à nos peaux humides;
De temps en temps on fait l'amour,
Nos corps sont las. Le ciel est vide.

[idem]

Alexa Meade




Águias distintas

O leão (fêmea) e a águia (macho)

16 abril 2010

Ainda a procissão vai no adro...


...e já se faz sentir o coro de protestos. Mas a política educativa continua assente num pilar sagrado: o sucesso. Para o alcançar vale tudo e duas décadas de eduquês conseguiram o milagre: o que já era mau tornou-se péssimo.
"Boa parte dos estudantes universitários é incapaz de escrever sem erros ortográficos, encadear um raciocínio com princípio, meio e fim, interpretar um texto ou perceber o que é dito na aula. São os próprios professores a reconhecer que o domínio da língua portuguesa é uma aprendizagem que a maioria dos seus alunos não fez no ensino secundário e ainda não consegue fazer no ensino superior. As dificuldades atravessam os cursos que vão das ciências sociais e humanas às ciências exactas e estendem-se a disciplinas como História, Matemática, Física, Gestão, Jornalismo ou Ciência Política."
Os problemas são imensos e as consequências desastrosas.
Que se faz?
Continua-se com a política da desresponsabilização. Com o ancestral "coitadinhos" e o consequente "perdoar".
É uma geração perdida, que vive para o espaço público, para a comunicação em que pouco se comunica, para um vazio que se preenche com mais vazio.
O vazio ancora-se no "ter direitos", pois num país com tantos anos de ditadura ainda soa mal dizer que a escola não se fez para ser democrática, mas para aprender. E tudo se faz ainda contra esse velho princípio. Desde o aprender a aprender, até outros lugares comuns rançosos. Tudo vale, logo que se conserve a debilidade de pensamento e a algaraviada na comunicação.
O que importa é fazer de conta. Fazer de conta que todos sabem. Fazer de conta que todos comunicam.

15 abril 2010

Rimbaud em Aden, na Abissínia



A foto de um grupo de seis homens e uma mulher numa varanda do Hotel de l’Univers, em Aden, na Abissínia, foi encontrada por acaso por dois livreiros numa feira de rua de antiguidades.
A fotografia tem escrito na parte de trás: Hotel de l’Univers – precisamente aquele em que Rimbaud esteve instalado em Aden, onde viveu os últimos anos da sua vida, antes de morrer em França, aos 37 anos. E ele ali está, à direita da mulher.
São muito raras as imagens de Rimbaud durante o período em que viveu em África, e em nenhuma é possível distinguir claramente os traços do seu rosto. Na que agora os dois livreiros divulgaram o rosto vê-se nitidamente, os olhos tristes, um pequeno bigode.

Para ler mais sobre a descoberta e a autenticação da foto: aqui e aqui.

13 abril 2010

Dia Mundial do Beijo


Hoje é dia mundial do beijo. O beijo dá saúde. Exercita dezenas de músculos, liberta endorfinas, combate a depressão, diminui o stress, queima calorias. Dizem os estudiosos que os beijos apaixonados libertam endorfinas, substâncias químicas que proporcionam sensações de prazer, euforia, bem-estar. Ajudam ainda a queimar cerca de 12 calorias e activam 29 músculos. O aumento da tensão arterial e da temperatura da pele são outras das suas consequências benéficas.

11 abril 2010

Gilles Lipovetsky

A cultura-mundo é constituída por cinco grandes lógicas: o mercado, a ciência, a informação, a indústria cultural e as novas tecnologias de comunicação e a individualização. Cinco vectores que estão a presentes em todo o planeta, em graus diferentes, e que fucionam como vectores de unificação planetária, uma vez que aproximam as sociedades (...)

É uma cultura mundial, que obedece aos mesmos princípios que a economia. Hoje em dia, a cultura vende-se, compra-se, exporta-se.

Uma marca, hoje, não vende apenas um produto, vende uma cultura, um estilo de vida. Contratam-se designers, publicitários, criativos, que investem mais na marca do que no produto.

Hoje, vivemos o capitalismo das marcas, do hiperconsumo, onde há tanta escolha entre produtos semelhantes.

Se por um lado, a cultura-mundo aproxima as sociedades – porque têm as mesmas marcas, os mesmos produtos -, por outro, contibui para a diversificação dos indivíduos. O colectivo assemelha-se, mas o indivíduo diferencia-se nesse colectivo.

É um vector de aceleração do individualismo, da individualização, que existe mesmo nos países que se mostrem hostis à mundialização. É o caso do mundo islâmico.

A cultura-mundo acelera a desorientação. Desde o século XIX, que os grandes pensadores ocidentais assinalam este fenómeno, de que a modernidade desorienta.

Do ponto de vista material, atingimos o bem-estar, mas no plano interior não. Vivemos deprimidos, ansiosos...

Mais: aqui.

Shag bands ou pulseiras de sexo


Parecem um simples acessório de moda, mas há quem as use com fortes conotações eróticas. São pulseiras coloridas e cada cor tem o seu código próprio. As Shag Bands surgiram no Reino Unido e logo se espalharam pelo mundo. Quem as usa com esse propósito predispõe-se a que a pulseira seja partida para que se concretize o desejo.
A pulseira amarela significa que se deseja um abraço; a cor-de rosa: mostrar os seios; a cor de laranja: chupão no pescoço; a roxa: beijos com língua; a vermelha: fazer um lap dance (strip-tease); a azul escuro: sexo oral; a azul claro: sexo anal; a verde: masturbação; a preta: fazer sexo; a branca: escolhe-se o que se quer; a cinzenta: sexo ao ar livre; a dourada: fazer todas as anteriores.

Fonte: Urban Dictionary

08 abril 2010

Malcolm McLaren (1946-2010)


Malcolm McLaren foi o "inventor" dos Sex Pistols.
Em 1971, McLaren abriu em Londres uma loja de roupas com a estilista Vivienne Westwood chamada Let It Rock (depois rebaptizada de Sex). Diz-se que os Sex Pistols nasceram precisamente nessa loja, onde McLaren encontrou os quatro membros da banda que passavam ali muito tempo, pois eram funcionários da loja, excepto o vocalista, embora fosse frequentador assíduo da loja.
A banda despoletou o movimento punk em Inglaterra, causando polémica, pois esta era o ingrediente necessário para o sucesso.
Malcolm McLaren esteve a partir de 1975 na crista da onda e soube farejar o que que ia estar na moda. Fosse música ou performance.

04 abril 2010

Portugal por São José Almeida

Ninguém parece ter estranhado que a aprovação parlamentar do plano que irá reger a economia estatal nos próximos anos estivesse a ser aprovada sob pressão de empresas privadas que representam interesses financeiros, como se fosse normal que a gestão política dos Estados esteja submetida à lógica do mercado.

(...)

Se dúvidas houvesse de que o representante da Fitch estava a esticar a real capacidade de influência de uma empresa privada sobre o poder político democraticamente eleito em Portugal, o ministro das Finanças veio desfazê-las com o alerta para que os deputados - que supostamente são independentes de influências e devem agir de acordo com o que entendem ser os interesses do país - não se atrevessem a chumbar o PEC (...)

[As principais agências de rating são a Fitch, a Standard & Poor's e a Moody's] não é segredo para ninguém que estas agências têm interesses no mercado que avaliam, são propriedade de grupos financeiros e funcionam também como consultoras de empresas, para quem elaboram pareceres. Ou seja, são avaliador e avaliado, pois aconselham aqueles que avaliam.

(...) é bom não esquecer que os famosos bancos que faliram em 2008 estavam avaliados precisamente por estas excelentes agências de rating (...)

(...) é suposto um Estado democrático de direito ser gerido por um governo de representantes políticos, eleitos pelo voto soberano popular, e escolhido entre o escol que é apresentado a sufrágio pelos partidos. Aliás, os partidos são mesmo a estrutura de representação popular no exercício do poder, em que os eleitores delegam a função de gerir o Estado de acordo com o interesse geral e em obediência ao princípio de igual tratamento de todos perante a lei. E é também suposto que os partidos e os seus eleitos sejam independentes e não cedam a interesses privados, antes defendam o interesse de todos.

Só que o que esta manchete do PÚBLICO e o destaque do jornal de dia 25 de Março mostram é que afinal a realidade é outra. O que é verdade é que quem manda no Estado português e decide sobre as orientações políticas que são dadas à governação não é o soberano representado pelos deputados eleitos, mas os interesses económicos internacionais, obscuros porque não democraticamente eleitos.

Artigo completo aqui

02 abril 2010

Desastre

Ele ia numa maca, em ânsias contrafeito,
Soltando fundos ais e trémulos queixumes;
Caíra dum andaime e dera com o peito,
Pesada e secamente, em cima duns tapumes.

A brisa que balouça as árvores das praças,
Como uma mãe erguia ao leito os cortinados,
E dentro eu divisei o ungido das desgraças,
Trazendo em sangue negro os membros ensopados.

Um preto, que sustinha o peso dum varal,
Chorava ao murmurar-lhe: "Homem não desfaleça!"
E um lenço esfarrapado em volta da cabeça
Talvez lhe aumentasse a febre cerebral.

Flanavam pelo Aterro os dândis e as cocottes,
Corriam char-à-bancs cheios de passageiros
E ouviam-se canções e estalos de chicotes,
Junto à maré, no Tejo, e as pragas dos cocheiros.

Viam-se os quarterões da Baixa: um bom poeta,
A rir e a conversar numa cervejaria,
Gritava para alguns: "Que cena tão faceta!
Reparem! Que episódio!" Ele já não gemia.

Findara honradamente. As lutas, afinal,
Deixavam repousar essa criança escrava,
E a gente da província, atónita, exclamava:
"Que providências! Deus! Lá vai para o hospital!"

Por onde o morto passa há grupos, murmurinhos;
Mornas essências vêm duma perfumaria,
E cheira a peixe frito um armazém de vinhos,
Numa travessa escura em que não entra o dia!

Um fidalgote brada a duas prostitutas:
"Que espantos! Um rapaz servente de pedreiro!"
Bisonhos, devagar, passeiam uns recrutas
E conta-se o que foi na loja dum barbeiro.

Era enjeitado, o pobre. E, para não morrer,
De bagas de suor tinha uma vida cheia;
Levava a um quarto andar cochos de cal e areia,
Não conhecera os pais, nem aprendera a ler.

Depois da sesta, um pouco estonteado e fraco,
Sentira a exalação da tarde abafadiça;
Quebravam-lhe o corpinho o fumo do tabaco
E o fato remendado e sujo da caliça.

Gastara o seu salário- oito vinténs ou menos-
Ao longe o mar; que abismo! e o sol, que labareda!
"Os vultos lá em baixo, oh! como são pequenos!"
E estremeceu, rolou nas atrações da queda.

O mísero, a doença, as privações cruéis
Soubera repelir - ataques desumanos!
Chamavam-lhe garoto! E apenas com seis anos
Andara a apregoar diários de dez-réis.

Anoitecia então. O féretro sinistro
Cruzou com um coupé seguido dum correio,
E um democrata disse: "Aonde irás, ministro!"
Comprar um eleitor? Adormecer num seio?"

E eu tive uma suspeita. Aquele cavalheiro,
-Conservador, que esmaga o povo com impostos-,
Mandava arremessar- que gozo! estar solteiro!-
Os filhos naturais à roda dos expostos....

Mas não, não pode ser... deite-se um grande véu...
De resto, a dignidade e a corrupção... que sonhos!
Todos os figurões cortejam-no risonhos
E um padre que ali vai tirou-lhe o solidéu.

E o desgraçado? Ah! Ah! Foi para a vala imensa,
Na tumba, e sem o adeus dos rudes camaradas:
Isto porque o patrão negou-lhes a licença,
O inverno estava à porta e as obras atrasadas.

E antes, ao soletrar a narração do facto,
Vinda numa local hipócrita e ligeira,
Berrara ao empreiteiro, um tanto estupefacto:
"Morreu!? Pois não caísse! Alguma bebedeira!"

Cesário Verde

01 abril 2010

Gil Vicente


De Gil Vicente (1465?-1537?) pouco se sabe. Desconhece-se o local e a data exactos do nascimento e da morte. Alguns documentos dão-no como ourives, além de dramaturgo.
Sabe-se que no dia 8 de Junho de 1502 apresentou um monólogo à rainha D. Maria. Que transcrevemos abaixo.
É provável que tenha nascido em Guimarães, ou algures na Beira, cedo se fixando em Lisboa. Na capital, a sua principal ocupação parece ter sido a de escrever e representar autos nas cortes do rei D. Manuel e do rei D. João III.
É considerado o pai do teatro português.
De 1502 a 1536, Gil Vicente produziu mais de quarenta peças de teatro, chegando a publicar em vida algumas delas. Colaborou no Cancioneiro Geral de Garcia de Resende. No entanto, só em 1562 o filho, Luís Vicente, publicou toda a sua obra com o título Compilaçam de todalas obras de Gil Vicente, a qual se reparte em cinco livros. Da compilação, destacamos as peças mais conhecidas: Auto da Índia (1509), Exortação da Guerra (1513), Quem Tem Farelos? (1515), Auto da Barca do Inferno (1517), Auto da Fama (1521), Farsa de Inês Pereira (1523), Auto da Feira (1528) e Floresta de Enganos (1536).


Ouve-se, fóra de scena, o vozeio dos guardas do paço, e entra logo, vestido de briche e ceifões de pele, manta do Alentejo ao hombro, e cajado de azambujeiro na mão, o


Vaqueiro:

Apre!, que sete impurrões
me ferrarram á entrada,
mas eu dei uma punhada
num de aqueles figurões.
Porém, se de tal soubera,
não viera;
e, vindo, não entraria;
e se entrasse, eu olharia
de maneira
que nenhum me chegaria.
Mas, está feito, está feito;
e, se se fôr a apurar,
já que entrei neste lugar
tudo me sae em proveito.
Té me regala ver coisas
tão formosas,
que se fica parvo a vê-las!
Eu remiro-as, porém ellas,
de lustrosas,
a nós outros são danosas.

«Fala á Rainha»

Meu caminho não errou?
Deus queira que seja aqui,
que eu já pouco sei de mi,
nem deslindo aonde estou.
Nunca vi cabana tal
em especial
tão notavel de memória:
esta deve ser a glória
principal
do paraiso terreal!

Seja que não seja, embora,
quero dizer ao que venho,
não diga que me detenho
a nossa aldeia já agora.
Por ella vim saber cá
se certo é
que pariu Vossa Nobreza?
Crei' que sim, que Vossa Alteza
tal está
que de isto mesmo dá fé.

Mui alegre e prazenteira,
mui ufana e esclarecida,
mui perfeita e mui luzida,
muito mais que de antes era.
Oh!, que bem tão principal,
universal!
Nunca se viu prazer tal!
Por minha fé--vou saltar!
Eh!, zagal,
diz' lá, diz' lá:--saltei mal?

Quem queres que não rebente
de alegria e gasalhado!
De todos tão desejado,
este príncepe excelente,
oh!, que rei terá de ser!
A meu ver,
deviamos pôr em gritos
a alegria e a esperança,
que até os nossos cabritos
desde hontem, co'a folgança,
não cuidam já de pascer.

E todo o gado retouça,
toda a tristeza se quita;
com esta nova bemdita
todo a mundo se alvoroça.
oh!, que alegria tamanha,
a montanha
e os prados refloriram,
porque agora se cumpriram
cá nesta mesma cabana
todas as glórias de Espanha.

Que grão prazer sentirá
a grão côrte castelhana!
Quão alegre e quão ufana
a vossa mãe não estará,
e, á uma, toda a nação!
Com razão,
que de tal rei procedeu
o mais nobre que nasceu:
seu pendão
não sofre comparação.

Que pai, que filho, e que mãe!
Oh!, que avó, que avós os seus!
E suas tias, tambem!
Bemdito o Senhor dos céus
porque ell' tal familia tem!
Viva o príncepe logrado
que é o bem aparentado!

Se agora vagar tivera
e depressa não viera,
maldito seja eu então
se aqui a conta não dera
de esta sua geração.
Será rei Dom João Terceiro,
o herdeiro
da fama que nos deixaram,
nos tempos em que reinaram,
o Segundo e o Primeiro
e ind'outros que passaram.

Mas ficaram-me lá fóra
uns trinta ou mais companheiros,
pastores, zagaes, porqueiros,
e vou chamá-los agora;
elles trazem p'ra o nascido
esclarecido,
ovos e leite fresquinhos,
e um cento de bolinhos;
mais trouxeram
queijos, mel--o que puderam...

E ora os quero ir chamar,
mas, por via dos puxões,
agarrem os figurões
p'ra gente poder entrar.


Ouve-se ao longe, uma gaita de foles.

«Entram certas figuras de pastores e oferecem ao príncepe os ditos presentes.»

Os patrões têm, em média, menos escolaridade


A formação escolar dos empregadores portugueses é substancialmente inferior à da população empregada, e também à dos seus colegas espanhóis e à da média dos empregadores dos 27 Estados-membros da União Europeia, segundo dados relativos a 2008.
As qualificações dos empregadores nacionais – que coincide com o de empresários ou de patrões – perde para a da população empregada (vulgarmente designada por “trabalhadores”) em todas as categorias consideradas pelo Instituto Nacional de Estatística de Portugal e pelo de Espanha, que divulgaram hoje a publicação “A Península Ibérica em Números – 2009”, onde constam estes dados.

in Público