17 novembro 2008

Aprender a ler


Fala Robert McKee, que o DN considera o 'guru' dos argumentistas e autor da chamada 'bíblia' destes, Story: Substance, Structure, Style and the Principles of Screenwriting.

Vejamos um excerto dessa entrevista que, esperamos, possa ser útil a professores, leccionem ou não língua materna.

«O que significa escrever? Significa que recorremos à nossa imaginação constantemente. Vemos o mundo pelos olhos da nossa personagem, imaginamos que somos essa personagem e escrevemos uma página. A seguir, lemo-la. E o que estamos a fazer ao lê-la? Estamos a criticá-la, a analisar o que redigimos. E a qualidade da nossa crítica baseia-se na nossa técnica, no nosso ofício de escrita, no que sabemos sobre o que significa escrever, estruturar, pensar personagens, cenas, situações, e reescrever e melhorar o que escrevemos. Nós criamos e criticamos, Escrevemos e lemos, para a frente e para trás. Se não temos a técnica, se não dominamos e compreendemos os elementos da arte de contar uma história por escrito, quando fazemos a crítica, estamos apenas a comparar o que escrevemos com o que todos os outros escritores escreveram. Por isso, não será uma crítica, será apenas uma cópia, porque não analisámos criativamente o que escrevemos.

Podemos escrever muito e ser tudo sempre mau, podemos estar sempre a repetir banalidades. Temos sempre que nos afastar do que escrevemos e examinar tudo. É verdade que quanto mais escrevemos, melhores ficamos, se, como disse Norman Mailer, "o escritor for capaz de cheirar a sua própria merda". Isto é, temos que saber quando estamos a escrever porcaria, e sermos capazes de puxar o autoclismo (risos). A autocrítica é a chave (...). Uma das coisas de que nos apercebemos quando escrevemos, é que 90 por cento de tudo o que fazemos não presta.

O talento só não chega, há que ter também o ofício. Uma pessoa pode ter muito talento para escrever, mas se não é capaz de se auto-criticar, de se ajuizar a ela própria, não irá longe. O talento só também não é suficiente na música. Se os meus alunos quisessem ser compositores em vez de argumentistas ou escritores, iriam frequentar uma escola de música. E estudar muito. Porque é que a escrita tem que ser diferente da composição musical?

Vivemos numa era, em todas as artes, em que só se faz arte sobre a arte. A humanidade já explorou até à exaustão as possibilidades de todas as formas artísticas. Todas as artes estão formalmente esgotadas. Para onde vamos agora? Temos que regressar à fonte que é a vida. Uma obra de arte não é uma metáfora sobre outra metáfora. É uma metáfora sobre a vida. A vida é difícil de expressar. Fazer arte sobre a arte é mais fácil. Mas temos que voltar ao concreto da vida, à nossa essência humana. Não é sexy, não é vistoso, não é cool, mas é tudo o que tivemos desde o início, e é tudo o que teremos enquanto seres humanos: as nossas vidas miseráveis. E quanto mais sentido fizermos delas e de nós, melhor. Acho que a nova geração está a ficar farta de tretas e a perceber que o espectáculo da má música, da má literatura, da má pintura, do mau cinema, é banal, superficial, e uma perda de tempo.»

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