07 março 2010

Legenda

Uma boca imensa num corpo de cinzas
Todos os poetas são com a boca colorida

1

é um fogo de artifício
e o artifício é ainda
concordar
verticais góticas horizontais apressadas.
a obediência a teimosia
a diagonal é a marca
Olá olá, ficar à espera
a rezar diante de um ecrã.

2

quem pinta vê, descobre
descobrir assim é trazer memórias
do que distraidamente nos desconcerta sem incomodar
um efeito surpresa já tantas vezes
sem nunca o termos realmente, há gente de paz.
a ficção convida-nos às manchas, os nervos
a fotografia do que sabemos não ser assim
ainda que o coração hesite
e quando o coração hesita já correu demasiada tinta.

3

um risco ao meio, um semicírculo em cima
a oval ao centro. o rosto o busto
o retrato
azul vermelho
e qualquer coisa nos diz que o resto é indiferente.
terá sido sempre?

4

o rosto pode, salomónico, como quem é apanhado em falta
o olhar flecte um pouco como se tivera que notar
Por baixo da blusa está o coração
o coração pede, em certos momentos
Que nada fique em branco
e as mãos correm então ágeis.
é assim quando os olhos se refugiam num rectângulo.
será mesmo um rectângulo o que os olhos isolam ou é já a
educação? as televisões deviam ser um circo
uma esfera que nos mostrara o momento em que
os olhos passam e analisam.

5

pômo-nos a contar Um dois três e o
cansaço, a dispersão
Ainda falta muito?
muitos fragmentos para que a concentração
para que se usufrua disso como de algum movimento
mais brusco
que quase parece despertar
a modorra que se foi acumulando.

[in C. Luís Bessa, Legenda, Atlas, Angra do Heroísmo, 1995]

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