17 dezembro 2009
Mariano Peyrou
Auto-retrato
O melhor auto-retrato que conheço é o de um
pintor que vê um ovo e pinta uma ave. Há
pessoas cujo melhor auto-retrato está nas suas
unhas. Dez anos atrás julgava que o meu melhor
auto-retrato seria afinal um beijo durante o qual se
pensa no futuro para que voem juntos
os sabores. Toda a magia é ingénua. Toda
a palavra é mágica. Cinco anos atrás pintei o meu
melhor auto-retrato: um coração e um
corpo que vibra dentro dele e o alimenta. Dez
minutos atrás comecei um poema
pensando que em todas as palavras vibra um desejo
de silêncio, uma consciência de esterilidade.
Como me arrisco a passar por imbecil.
Todos os auto-retratos implicam um risco semelhante.
Os sonhos suicidam-se com soníferos.
[in O Discurso Opcional Obrigatório, Averno, 2009, pág. 29, tradução de Manuel de Freitas]
Autorretrato
El mejor autorretrato que conozco es de un
pintor que mira un huevo y pinta un ave. Hay
gente cuyo mejor autorretrato está en sus
uñas. Hace diez años pensaba que mi mejor
autorretrato sería al fin un beso durante el que se
piensa en el futuro para que vuelen juntos
los sabores. Toda magia es ingenua. Toda
palabra es mágica. Hace cinco años pinté mi
mejor autorretrato: un corazón y un
cuerpo que late dentro de él y lo alimenta. Hace diez
minutos comencé un poema
pensando que en toda palabra late un deseo
de silencio, una conciencia de esterilidad.
Cómo me arriesgo a quedar como un imbécil.
Todo autorretrato implica un riesgo semejante
Los sueños se suicidan con somníferos.
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