17 fevereiro 2009

Escrever ou não escrever, eis uma piada barata


Hoje, refeitos do choque, podemos já sentir saudade. Saudade do António. Ele escrevia tão bem que até chateava. E o trabalhão que ele dava à crítica? Pfff, nem se imagina. Portugal deve-lhe muito. O que seria o país sem esse herdeiro de Camões, que cantou alguns dos episódios da nova saga ultramarina?

E que seria do António sem tanto bonzo que lhe ampare e propague os dislates?

A nós impressionou-nos o modo como L.F.R com J.C.S. voltam à carga e explicam o que é isso de deixar de escrever. Pela reverência com que falam de algo de que, nitidamente, não se fazem ideia o que seja.

Para esta dupla maravilha livros são objectos que interessam na justa medida em que vendem muitos milhões. Se não venderem muitos milhões não são livros. Há quem venda muito mais que Salinger, mas aqui, no novo reino da Baviera, isso são detalhes sem importância. Trata-se, claro, de dar uma demão de cultura a um texto esquisito.

«Esta revelação de António Lobo Antunes pode até ter surpreendido algumas pessoas, mas não é um caso isolado. É verdade que são muitos os autores que, como o recentemente falecido John Updike, continuam a escrever novos livros até à data da sua morte, mas alguns decidem parar de publicar quando se encontram no topo. (Nós a pensar que o António estava já nas faldas e afinal ainda se passeia pelo topo. Somos mesmo nada, ceguetas de todo.)

J. D. Salinger, por exemplo, é um dos grandes vultos das letras norte-americanas, contudo não publica uma única linha desde a década de 60.» (Isto é falso, mas a cultura das redacções de jornais é assim categórica, firme, pedagógica. Que interessa se publica ou não publica, fica bem esse mistério: escritor deixa de escrever... que só é mistério nas cabeças airosas de alguns, mas são alguns que têm o meio para ampliar a verdade e não há como as verdades para se espalharem...)

«Já o poeta francês Rimbaud continuou a escrever até morrer, prematuramente, com apenas 37 anos. Não obstante, durante muito tempo limitou-se a assinar cartas, pois redigiu o último texto literário aos 21 anos. [Donde se conclui o quê? Foi texto que tiveram que cortar, pois era paleio a mais para o editor? Ou é uma daquelas frases que mostram que raciocínio e escrita são indissociáveis, se um falha, o outro também falha?] O norte-americano Henry Roth, por outro lado, escreveu um primeiro livro, Call It Sleep, em 1934. Só regressaria passados 45 anos, mas ainda conseguiu assinar várias obras até que morreu em 1995.» (E nós a vê-lo, coitadinho, de esferográfica em punho a assinar tantas obras. Aquilo metia dó. Era darem uma esmola ao pobre e mandá-lo para casa.)

Já noutro lado, o problema da habitação é algo que inquieta o anónimo redactor da notícia: «O escritor refere não saber se vai continuar a viver em Lisboa ou se vai para fora do país na altura em que deixar de escrever.» E como o país não sai da crise sem essa informação, pede-se a todo o trabalhador que não faz nada que se desloque até à residência de Sua Santidade o António e acenda velas em honra da pátria. Velas vermelhas (verdes também serão toleradas). Nós daqui rezaremos um terço pela sua alma. E uns quantos pela alma da pátria.

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