30 novembro 2008

D2O, o perfume da eternidade


“D” de deutério (isótopo do hidrogénio de massa atómica 2, em vez de 1). Eis o elixir da juventude, diz o cientista russo Mikhail Shchepinov. Ele, pelo menos, todos os dias sorve uma colher de água pesada – D2O. O sabor é ligeiramente adocicado.

Se um cubo desse líquido fosse colocado num copo, afundar-se-ia em água normal. A água pesada tem os seus perigos, por isso o cientista russo propõe que seja misturada com certo tipo de alimentos.

Para se perceber melhor o que está em causa, convém ver o que entendem os cientistas por envelhecimento.

A teoria mais bem aceite pela comunidade científica é a dos radicais livres, que defende que o corpo humano vai envelhecendo devido a danos irreversíveis provocados às biomoléculas. Os responsáveis por esta destruição são os radicais de oxigénio livres, compostos químicos agressivos que são um produto inevitável resultante do metabolismo das células. Os “estragos” vão sendo acumulados ao longo da vida até que chega o ponto em que os processos bioquímicos básicos do corpo deixam de funcionar. Estes processos estão associados a doenças ligadas à velhice, incluindo Parkinson, Alzheimer, cancro, falhas renais crónicas e diabetes.

O corpo humano produz antioxidantes que eliminam os radicais livres antes que estes possam causar danos. À medida que a idade avança, estes sistemas defensivos acabam também por ser destruídos e o corpo entra num declínio inevitável.

Até agora a maioria dos medicamentos para lutar contra o envelhecimento eram compostos por antioxidantes, como a vitamina C ou beta-caroteno, que serviam para ajudar estes sistemas de defesa, apesar de não haver evidências que o resultado fosse positivo. O bioquímico russo decidiu seguir um caminho diferente. Aproveitando a investigação que já fazia na área dos efeitos dos isótopos, decidiu conjugá-los com os conhecimentos que ia adquirindo sobre as causas do envelhecimento.

O conceito por detrás desta área é o de que a presença de isótopos pesados numa molécula pode diminuir as reacções químicas com outros compostos. Isto acontece porque são formadas ligações mais fortes na molécula. No caso do isótopo de hidrogénio escolhido por Shchepinov, o deutério, as ligações estabelecidas são 80 vezes mais fortes do que aquelas que são estabelecidas com hidrogénio normal.

A ideia é usar este efeito para tornar as biomoléculas mais resistentes aos ataques dos radicais livres. Para isso, o bioquímico defende que apenas seria necessário colocar deutério ou carbono-13 (outro isótopo pesado) nas ligações mais vulneráveis.

O deutério e o carbono-13 parecem ser não tóxicos, portanto a sua ingestão deixa de ser um problema.

Quando Shchepinov apresentou esta ideia (há ano e meio) fez questão de frisar as inúmeras experiências científicas que já provaram que as proteínas, os ácidos gordos e o ADN podem ser ajudados a resistir a danos provocados pelos ataques dos radicais livres recorrendo ao efeito dos isótopos.

No entanto, algumas experiências indicam que a água pesada não é completamente segura. Por isso, a ideia de Shchepinov é a de incorporar isótopos pesados na chamada “iFood”. Este método consistiria em adicionar à nossa dieta aminoácidos (constituintes das proteínas) essenciais - dos 20 aminoácidos utilizados pelos humanos, dez não podem ser produzidos e têm que ser ingeridos na forma de alimentos -, cujas ligações já tivessem sido previamente “fortalecidas”. Segundo o bioquímico russo esta estratégia é completamente segura, porque os átomos de deutério ligados ao carbono nos aminoácidos não são “trocáveis” e portanto não se ligariam à água do corpo. Uma das propostas seria a produção de carne, ovos ou leite enriquecido com deutério ou carbono-13, que seriam dados aos animais como alimento. Por enquanto, a “iFood” continua a ser apenas uma ideia. Até porque, como explica Shchepinov, citado pela “New Scientist”, “os isótopos são caros”.

Mas uma empresa, a Retrotope, não quis dar-se por vencida e lançou um programa de investigação para testar a teoria do bioquímico russo. Uma equipa do Instituto de Biologia do Envelhecimento em Moscovo, Rússia, realizou experiências com moscas da fruta em que os animais foram alimentados com diferentes quantidades de água pesada. Apesar das grandes porções terem provocado a morte da maioria das moscas, aquelas que receberam pequenas quantidades de água viram a sua expectativa de vida aumentar 30 por cento.

É, contudo, ainda muito cedo para saber se no caso dos humanos o efeito seria o mesmo. Shchepinov diz que “estes são testes preliminares e tem que ser reproduzido debaixo de grande leque de condições”: “É possível que o que estamos a observar nas moscas seja o efeito da restrição calórica (a única estratégia até hoje provada que aumenta a expectativa de vida em animais de laboratório), temos que fazer mais experiências”.

Nem toda a gente parece receber esta nova teoria entusiasmado. Alguns cientistas alertam que os danos causados pelos radicais livres sozinhos não podem explicar todas as mudanças biológicas que ocorrem durante o envelhecimento humano. Tom Kirkwood, investigador da Universidade de Newcastle, no Reino Unido, citado pela “New Scientist”, considera que “a ideia de Shchepinov é interessante, mas já descobrimos que só faz sentido pensar no envelhecimento como resultado de múltiplas causas. O mecanismo por ele sugerido é provavelmente apenas uma pequena parte do puzzle”.

A natureza parece já se ter adiantado ao homem no recurso a isótopos químicos na protecção contra os ataques dos radicais livres. Os bebés e os ratos nascem com uma quantidade muito maior de carbono-13 nos seus corpos do que as mães, ao mesmo tempo que as mulheres quando estão grávidas passam a ter muito menos deste composto. Isto indica que parece haver uma transferência do isótopo para os fetos. Segundo Shchepinov, o que acontece é que o feto em crescimento incorpora de forma selectiva o carbono-13 nas suas proteínas, ADN e outras biomoléculas, para que assim estas se tornem mais resistentes aos ataques dos radicais livres. O bioquímico russo reitera que muitas destas proteínas e moléculas de ADN têm que durar durante toda a vida: “Cada um dos átomos do cérebro de um homem de 100 anos é exactamente o mesmo que ele tinha aos 15 anos".


[Fonte: Público]

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