frenesi versus quasi

Uma editora e uma salsicharia. Um programa editorial e um livro de contabilidade. A estética pessoal e o disparate.

A frenesi passou anos a editar poesia quando editar poesia era o cabo dos trabalhos. Mesmo que os critérios sejam discutíveis (quais não são?), publicou o que Paulo da Costa Domingos quis publicar, contribuindo para uma qualidade gráfica ímpar e tornando possíveis o aparecimento de vozes como as de Adília Lopes ou dando espaço a obras como as de Fátima Maldonado ou a preciosidades como Álvaro Lapa.

A Quasi desde muito cedo mostrou que a falta de critério era a sua política editorial. Algo que permitiu ao editor Reis-Sá passar da condição de semi-analfabeto à de colunável em quase tudo o que é publicação «literária». Entre o lixo que escreve e o que publica enquanto editor Reis-Sá conseguiu a proeza de mostrar que editar poesia é, de facto, um negócio social, que mexe com muitas vaidades e imensos dinheiros públicos.

Vale a pena ver como Paulo da Costa Domingos vê o esquema: «não se guilhotinam livros – é tudo para facturar, até a caspa que alguma autora, ou autor, ou transformista, haja deixado nos almofadões do sofá do industrial. E quando falo de almofadões, falo dos apoios regulares que a Quasi (uma empresa privada) recebe do erário público através do Município de Vila Nova de Famalicão: tiragens pagas à cabeça com compra garantida de centenas de exemplares a fundo perdido... Assim é fácil dizer-se «editor» e vir dar uma de pavão para a imprensa “cultural”!

Mas, afinal de que se trata toda esta conversa fiada?... Talvez devam ser esclarecidos certos jovens muito sem “morales” e “livros quasi deles” quando, para entreterem conversa de encher chouriços no mensário Os Meus Livros (n.º 68, Outubro de 2008), se socorrem de bengalas como seja porem-se de par com o falecido editor da Assírio & Alvim – Manuel Hermínio Monteiro –, com o veterano Vitor Silva Tavares, da & etc, ou comigo, Paulo da Costa Domingos, este vosso mal-criado sempre à perna. Dizem lá, portanto, eles, Jorge Reis-Sá (industrial da Quasi) e João Morales (varredor literário do sobredito mensário), afagando-se reciprocamente os egos:

"[...]E de outros autores, já editaste algum livro do qual te tenhas arrependido?

O Manuel Hermínio Monteiro dizia, numa entrevista antiga, que uma editora é como um cadáver-esquisito dos surrealistas, abrem-se colecções, fecham-se, edita-se um autor que depois sai, entra um novo, etc. Há muitos livros que eu me arrependo de ter publicado, assim como há muitos livros que me arrependo de não ter publicado, é algo perfeitamente normal, numa editora generalista como são as Quasi. Se perguntares isto ao Vitor Silva Tavares, da & etc, imagino que não diga desta maneira tão forte mas, por exemplo, se perguntares ao Paulo da Costa Domingos, da Frenesi, há quatro ou cinco anos ele mandou guilhotinar os livros do Manuel António Pina e do Eduardo Pitta...

Mas isso foi por uma quezília......

que teve a ver com a Casa Fernando Pessoa, na altura com a Manuela Júdice. Eu nunca cheguei ao ponto de mandar guilhotinar livros que publiquei. Agora, a tua pergunta era se já me tinha arrependido, arrepender tem os mais variados motivos, uma pessoa pode até arrepender-se porque a capa ficou mal... [...]"

[...]

Claro que quem diz ter facturado 1.125.000 euros em 2007, à custa de carregar o catálogo das suas mercadorias indiscriminadamente com Al Berto, Bob Dylan, Lautréamont, Adolfo Luxúria Canibal, Eduardo Pitta ou Mário Soares... (caramba! ganda salada!... e os autores?... os autores, nada, bico calado, mutismo total), um indivíduo destes não pode nunca enxergar razões morales de guilhotina.»

Já agora, permitam-nos mais uma transcrição: «No catálogo têm nomes como Camilo Castelo Branco, Raul Brandão e outros aparentemente mais mainstream, entrecruzados com autores com outro tipo de catalogação. Quais os critérios que presidem à escolha das obras a publicar?
O programa editorial da Frenesi é uma emanação directa do desenvolvimento individual e das contingências vivenciais do seu editor (Paulo da Costa Domingos). Neste sentido, são iniludíveis os nexos a estabelecer com a obra pessoal do mesmo. Também neste sentido, nunca publicaríamos qualquer obra cujo teor nós próprios não partilhássemos. E só «aparentemente» (muito bem dito, na vossa inquirição) alguns autores passam por mainstream: porque mainstream foi a cultura seminarista, o galo de Barcelos, o marianismo, as touradas, a guerra colonial, a loiça das Caldas da Rainha, o fado, o hino nacional, a raça, a Mocidade Portuguesa, a Pide e a Legião, e, recentemente, o retorno a Fátima e ao futebol, as telenovelas... Homens como Camilo Castelo Branco, preso pelo menos duas vezes, ou Raul Brandão, um dos fundadores da Seara Nova, nunca participaram nessa procissão da "enxurrada principal".»