23 abril 2008

Livros


Objecto de remorso para uma cultura que aprende na escola e no dia-a-dia a valorizá-lo ao mesmo tempo que o rejeita; que o diviniza e teme, como se faz com os deuses; a quem se recorre, por vezes, no desespero de respostas, de uma medicina todos placebos, o livro não é senão a fome humana de falar e ser ouvido, de contar e encantar, de querer guardar para o futuro um pouco do horror e da beleza que cada época é capaz de inventar ou de descobrir.

Suporto mal a praga dos que em todo o lado enchem a boca com a palavra livro, qual password de entrada num qualquer areópago. Professores, políticos, engenheiros, advogados, até pretensos escritores, que propagam o insulto – quando dizem livro arrepio-me todo – como um gás venenoso. Tive que aturar uns quantos desde que aprendi a juntar as letras e sempre prefiro aqueles que não lêem e que do alto da sua sabedoria dizem, para quem os queira ouvir, que não têm pachorra.

De resto, livros há-os aos pontapés. Os melhores, creio, são essa qualquer coisa que nos distrai e faz sair de nós mesmos. Mesmo quando a linguagem não é mais do que o recipiente que recolhe o abismo do quotidiano. Mesmo quando a frequência nos soa à primeira vista como estranha. Como se o movimento ondulante da escrita escavasse um túnel até ao pensamento, com ramificações para o coração e fôssemos um rádio em sintonia com a felicidade.

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