Não sei se as praias sempre foram lugares de encontros e de paixões. Sei que algumas deram o nome ao lugar e acabaram por se tornar cidade. Assim a Praia da Vitória, terra de segredos que se podem encontrar ao virar de uma esquina, na fachada de uma casa, no rendilhado desta ou daquela varanda, no tipo de janelas, numa ou noutra placa comemorativa. Segredos que devemos a quantos a habitaram ao longo dos anos, determinando as ruas, a arquitectura, as cores, os cheiros.
Há quase seis séculos, entre o mar e duas serras, a do Facho e a do Cume, num vale fértil a que chamaram do Ramo Grande, nascia a Praia. Lugar que, como todos os fundados de raiz, cresceu com um traçado urbanístico de ruas direitas e perpendiculares por onde se foram distribuindo agricultores, pescadores, artesãos, pequenos comerciantes, religiosos. Gente sedentária, ciosa dos seus pertences, temente a Deus e capaz de enfrentar a instabilidade e a fúria do mundo. E o mundo sempre aqui pareceu furioso: tremores de terra, tempestades e outros desassossegos, que arruinaram sonhos e as manifestações do fraco poder dos homens. Que defesas havia contra tanto? O trabalho e a crença. O clero era determinante. O clero conduzia o rebanho e determinava o lugar, os topónimos, a localização de igrejas, conventos e ermidas. As ruas da Praia são a prova disso mesmo. A rua principal era e é a Rua de Jesus, axialmente cortada pela Rua da Graça. De igreja a igreja, de convento a convento. Porque era aí, à volta de igrejas e santuários, que as pessoas se sentiam seguras. E a segurança, num lugar sísmico e novo, era fundamental. A data da fundação da Matriz, bem como o seu estilo arquitectónico mostram-nos que os primeiros povoadores preferiram a Praia em detrimento de Angra. Esta, no entanto, por lugar mais abrigado e de mais fácil defesa, cedo suplantou a Praia, vindo a tornar-se sede do bispado dos Açores. A Terceira é um hino à segurança. Mas em terra de tanta segurança, o interior fervilha. E assim a voz se torna cantada e arrastada. E assim a música passeia pela melancolia.
Excelente texto, excrita madura o Pisca de Gente tem a certeza que nasceu em 92? Diria que não.
ResponderEliminarParabéns, bons dotes literários!
Cumprimentos
Caro T. Dinis, muito satisfeito fica o Pisca pelos parabéns, por entender que eles são extensíveis ao lugar onde vivemos. Esta ilha é um luxo, inspira qualquer um. Mesmo as nossas zangas para com ela (que também as temos) são zangas de enamorado.
ResponderEliminarPisca